Bárbara Baez |
"Estou
grávida. E nem ia compartilhar isso aqui. Passei a viver muito
melhor na medida em que adotei a discrição como regra, em relação
a tudo que compartilho da minha vida pessoal, tanto em rede social
quanto fora dela. Mas tem certas coisas que eu me sinto na obrigação
de compartilhar. Como mulher, como mãe, como cidadã e consumidora,
me sinto na obrigação moral de expor e denunciar os abusos e as
violências que eu e outras mulheres sofremos todos os dias. A ideia
é divulgar para que cada vez mais pessoas tenham esse tipo de
informação, e comecem a lutar contra o sistema, pois passou da hora
da gente reagir. Parar de aceitar certas coisas que são simplesmente
inaceitáveis.
Tenho
plano de saúde há quase dez anos. Unimed Rio. Assim que descobri a
gravidez fui me consultar com meu médico de Cabo Frio. Um cara
bacana e bem recomendado. Logo perguntei qual era a perspectiva de eu
ter um parto natural e humanizado, sem intervenções desnecessárias,
que é o que eu desejo. De cara ele fez aquela expressão de “sinto
muito” e adiantou: pelo plano, só cesárea agendada. Todas as
quartas-feiras ele abre a mulherada e tira os bebês, com a cobertura
do plano. Numa quarta-feira feira dessas poderia ser eu. Obviamente
achei aquilo absurdo. Há quem prefira uma cesárea e não vou nem
entrar nesse mérito (mulher, o corpo é seu), mas cesárea eletiva é
algo que não sintoniza com a minha ideologia de vida, com a formação
que tenho e as informações que busquei. Dá pra ter parto normal
pelo plano, dr.? Resposta: não. E mais: NÃO EXISTE EMERGÊNCIA
OBSTETRÍCIA PARTICULAR NA REGIÃO DOS LAGOS.
Essa foi a informação que mais me chocou. Anos e anos pagando uma mensalidade que não é barata, e se passar mal, precisar de um hospital numa emergência, nem adianta ir ao Santa Izabel (que seria o hospital de emergência do meu plano) porque não vão me atender, vão me encaminhar pro Rodolpho Perissé ou pro Hospital da Mulher, públicos. Parto normal, só pagando por fora. Preço: cinco/seis mil reais, que correspondem aos honorários da equipe (2 obstetras, 1 anestesista, 1 pediatra). Com sorte, a internação o plano cobre. Ou então vai pro SUS. E aí minha gente, considerando as opções da região, é um salve-se quem puder. Uma verdadeira roleta russa. Tem médico que é cesarista por natureza, “olha, vc ta evoluindo pouco, o bebê ta em sofrimento, cordão enrolado blablabla e vai ter que ser cesárea”. A mulher ali, em situação de absoluta vulnerabilidade, muitas vezes nem questiona e aceita. Algumas exigem seus direitos e são tratadas com chacota e desprezo pela equipe médica. Outras, muito poucas, têm a sorte de ter seus direitos respeitados (algo que deveria ser padrão).
Essa foi a informação que mais me chocou. Anos e anos pagando uma mensalidade que não é barata, e se passar mal, precisar de um hospital numa emergência, nem adianta ir ao Santa Izabel (que seria o hospital de emergência do meu plano) porque não vão me atender, vão me encaminhar pro Rodolpho Perissé ou pro Hospital da Mulher, públicos. Parto normal, só pagando por fora. Preço: cinco/seis mil reais, que correspondem aos honorários da equipe (2 obstetras, 1 anestesista, 1 pediatra). Com sorte, a internação o plano cobre. Ou então vai pro SUS. E aí minha gente, considerando as opções da região, é um salve-se quem puder. Uma verdadeira roleta russa. Tem médico que é cesarista por natureza, “olha, vc ta evoluindo pouco, o bebê ta em sofrimento, cordão enrolado blablabla e vai ter que ser cesárea”. A mulher ali, em situação de absoluta vulnerabilidade, muitas vezes nem questiona e aceita. Algumas exigem seus direitos e são tratadas com chacota e desprezo pela equipe médica. Outras, muito poucas, têm a sorte de ter seus direitos respeitados (algo que deveria ser padrão).
O
problema não é as intervenções em si (embora muitas delas estejam
realmente ultrapassadas), mas sim o seu uso indiscriminado, sem
indicação real, o que é disseminado em praticamente todos os
hospitais e maternidades do país, trazendo consequências graves que
poderiam ser evitadas.
Os relatos que já ouvi do Hospital
da Mulher são horripilantes. Eu mesma já precisei de atendimento lá
e a experiência foi péssima. Também acompanhei um parto
recentemente no Rodolpho Perissé, e posso falar com conhecimento de
causa. Primeiro, “acompanhar” é modo de dizer, fui expulsa da
sala de parto (contrariando direito assegurado por lei) assim que ele
começou. Mas, repito, estamos tão vulneráveis naquela situação,
sob a autoridade da equipe médica, que à vezes nem percebemos que
nossos direitos estão sendo infringidos. Presenciei uma episiotomia
completamente desnecessária, não só um, mas vários cortes que
culminaram em quase dez pontos de sutura. Vc pode imaginar o que é
ter sua vagina retalhada por um bisturi, e levar não-sei-quantos
pontos ALI? Pode imaginar o sofrimento físico e psicológico
decorrentes disso? E essas foram apenas as VO (violências
obstétricas) que eu presenciei. Conhecidas já relataram a manobra
de kristeller (em que sobem na barriga da parturiente pra empurrar,
um troço medieval), exames de toque a toda hora, hormônio
artificial pra acelerar o parto (que tbem traz uma série de reações)
e a mais comum de todas, que é a violência emocional, com o
isolamento da parturiente, as “gracinhas” da equipe médica (“ta
doendo? Mas na hora de fazer foi bom, né?”), muito descaso e
desrespeito.
E não tem só as violências cometidas durante o parto. As condições do hospital já são uma violência em si. Nosso hospital municipal não tem ar condicionado nos quartos, só um mísero ventilador, sujo e barulhento. Para dar conta do calor (principalmente no verão), as pessoas são obrigadas a deixar as janelas abertas. Mãe e bebê em recuperação são simplesmente devorados pelos mosquitos (que além de muito incômodos transmitem doenças seríssimas). No banheiro (em péssimas condições) a porta não tranca, vc toma banho espiando quem passa no corredor. O pai só entra na horinha da visita e não pode ficar. As enfermeiras da maternidade são um capítulo a parte... a má vontade, a falta de sensibilidade, de preparo, de humanidade de QUASE todas ali, só de lembrar sinto a raiva borbulhar dentro de mim. Ah, e não tem aparelho de ultrassom. Isso mesmo, um hospital maternidade que NÃO TEM UM APARELHO DE ULTRASSOM. É o cúmulo. Se tiver alguma complicação tem que esperar o próximo dia útil, horário comercial, para ser atendida num dos laboratórios particulares conveniados à prefeitura. Agora parem para pensar: quem tá lucrando com isso? Certamente não somos nós.
E não tem só as violências cometidas durante o parto. As condições do hospital já são uma violência em si. Nosso hospital municipal não tem ar condicionado nos quartos, só um mísero ventilador, sujo e barulhento. Para dar conta do calor (principalmente no verão), as pessoas são obrigadas a deixar as janelas abertas. Mãe e bebê em recuperação são simplesmente devorados pelos mosquitos (que além de muito incômodos transmitem doenças seríssimas). No banheiro (em péssimas condições) a porta não tranca, vc toma banho espiando quem passa no corredor. O pai só entra na horinha da visita e não pode ficar. As enfermeiras da maternidade são um capítulo a parte... a má vontade, a falta de sensibilidade, de preparo, de humanidade de QUASE todas ali, só de lembrar sinto a raiva borbulhar dentro de mim. Ah, e não tem aparelho de ultrassom. Isso mesmo, um hospital maternidade que NÃO TEM UM APARELHO DE ULTRASSOM. É o cúmulo. Se tiver alguma complicação tem que esperar o próximo dia útil, horário comercial, para ser atendida num dos laboratórios particulares conveniados à prefeitura. Agora parem para pensar: quem tá lucrando com isso? Certamente não somos nós.
Todos
os dias eu me pergunto, por que tenho que me sujeitar a tudo isso,
tendo pago plano de saúde durante quase dez anos? Aliás, por que
qualquer mulher, em qualquer situação, precisa se sujeitar a tudo
isso? Aí vc assiste ao Renascimento do Parto, entra em grupos de
apoio, vê os relatos, o desespero e a revolta vão se instalando
quando vc percebe que as únicas opções dignas de consideração
estão distantes de vc, e ao final a gente se sente impotente,
ludibriada, enganada e violada de todas as formas.
Não
era pra ser assim. Tanta pressa em condenar o aborto, queria ver no
mínimo a mesma indignação quando se trata da vida e da saúde da
gestante! C A D Ê ? ? ? Ou será que viramos alguma espécie de
bicho que tá ali apenas pra parir, sem merecer nenhuma consideração?
Estamos trazendo uma nova vida ao mundo, era pra ter mais respeito!
Mais dignidade! Mas, pensando bem, respeito e dignidade são
justamente tudo que NÃO temos nesse país, e na hora do parto não
seria diferente.
Vejo
amigas que moram fora relatarem outra realidade, que é possível:
doula custeada pelo governo, piscina/banheira em todas as salas de
parto, permissão para vários acompanhantes, equipe médica
respeitosa, licença maternidade realmente digna; e me embrulha o
estômago comparar isso com a dura realidade que vivemos aqui e que
somos obrigados a engolir, mesmo PAGANDO OS IMPOSTOS MAIS CAROS DO
MUNDO!
É
isso minha gente. Eu seguirei na luta pelo meu parto humanizado –
que devia ser REGRA, mas por aqui tá quase como achar o pote de ouro
no fim do arco íris. Deus abençoe todos que tiveram o interesse e a
paciência de ler até aqui, e que se solidarizam a causa. Só
botando a boca no trombone mesmo, brigando e lutando, é que alguma
coisa pode mudar. Nosso (des)governo não está aí pra facilitar em
NADA. Tenham isso sempre em mente".