Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sergio Cabral, chega em sua residência, no Leblon Ricardo Borges, Folhapress |
"No
início da campanha pela vaga de desembargador no Tribunal de Justiça
do Rio em 2010, o então promotor Paulo Rangel dizia não ter apoio
de ninguém. Ao procurar uma autoridade, afirmou contar com "Deus
apoiando e guiando os passos". Ouviu como resposta: "Meu
filho, Deus não vota no Órgão Especial".
"Fui
embora chocado com o que acabava de ouvir. Não tardou muito veio a
resposta divina: 'Rangel, a primeira-dama está recebendo os
candidatos que a estão procurando e receberá você com prazer'",
relatou o magistrado em seu discurso de posse.
A
advogada Adriana Ancelmo, 46, estava em seu quarto ano como
primeira-dama. Rangel seria o quarto nomeado a passar em seu
escritório para pedir apoio junto ao então governador Sérgio
Cabral (PMDB). Uma indicação decisiva, segundo relatos ouvidos pela
Folha.
Até
o marido chegar ao governo do Estado, Ancelmo era uma advogada de
pouco destaque, sócia do ex-marido Sérgio Coelho num escritório de
médio porte. "Braço jurídico" do casal, ganhou a
atribuição de avalizar nomes para o tribunal. Segundo pessoas
próximas do casal, era uma forma de Cabral prestigiá-la.
A
ex-primeira-dama, alvo de quatro ações penais da Lava Jato, teve
uma infância de classe média baixa em Copacabana, onde estudou em
escolas públicas. Morava num apartamento de dois quartos, mas por
vezes dividia o mesmo cômodo com a mãe e a irmã para que o outro
fosse alugado.
Aos
16, trabalhou como vendedora em lojas. De formação católica,
participava do grupo jovem da paróquia da Ressurreição.
Formou-se
em Direito na PUC-Rio, onde conheceu Regis Fichtner, que viria a ser
secretário da Casa Civil de Cabral. Foi ele quem levou Ancelmo para
trabalhar na procuradoria da Assembleia Legislativa, onde ela
conheceu Cabral num encontro casual no elevador. Os dois se casaram
em 2004.
No
início do governo, por ciúmes, ela vetou assessoras que
trabalhariam diretamente com o governador. Buscou também ter
presença pública. Apoiou, por exemplo, a ONG Pró-Criança Cardíaca
para arrecadação de fundos para a construção de um hospital.
"A
presença dela fazia diferença. Mandava e-mails para empresários
mostrando a seriedade do projeto", disse a médica Rosa Célia,
fundadora da ONG.
A
placa de agradecimento ao casal está até hoje no saguão do
hospital. Na parede oposta, a lista de doadores inclui alvos da Lava
Jato, como a Carioca Engenharia e Arthur Menezes de Soares, ex-dono
do grupo Facility.
Prestigiar
a primeira-dama era uma forma de agradar Cabral. Além do apoio às
suas iniciativas públicas, o escritório dela despertou interesses.
Fundada
em 1997, a banca tinha como especialidade até a posse de Cabral
causas cíveis no setor de saúde. Depois, se diversificou.
A
receita subiu, em valores atualizados, de R$ 3,9 milhões em 2006
para R$ 13,2 milhões em 2008. Concessionárias de serviços
públicos, bancos e o setor imobiliário aderiram à cartela de
clientes.
"Quando
a Adriana se torna primeira-dama do Estado, ela gerou uma grande
atratividade. O escritório cresceu bastante por ela", disse o
ex-sócio Coelho à Justiça.
Relatos
indicam que o acesso de Ancelmo a desembargadores do TJ-RJ
impressionava os clientes. Enquanto concorrentes tinham dificuldade
em marcar uma audiência com magistrados, ela os contactava pelo
celular na frente de potenciais contratantes.
Agora,
executivos da OAS prometem delatar atuação dela junto ao Judiciário
para favorecer a empreiteira.
INFLUÊNCIA
A
chance de influenciar na composição do TJ surgiu a Ancelmo por
acaso. Em 2006, semanas antes da posse do já eleito Cabral, o então
defensor público Marco Aurélio Bezerra de Mello bateu na porta de
seu escritório.
"Busquei
todas as autoridades. Um amigo em comum me disse: 'A futura
primeira-dama é advogada. Por que você não procura ela?'. Fui lá
e apresentei meu currículo", disse.
Todos
os TJs reservam 20% das vagas para membros do Ministério Público e
da OAB ""o chamado quinto constitucional. Os candidatos
buscam apoiadores capazes de influenciar o governador, que escolhe um
nome da lista tríplice enviada pelo TJ.
Por
acordos previamente firmados, Mello não foi nomeado em 2006. Ganhou
a vaga seguinte da OAB, em 2008. Desde então, a ex-primeira-dama
compareceu à cerimônia da maioria dos desembargadores nomeados pelo
quinto. Passou a ser chamada de "madrinha" por alguns.
A
influência de Ancelmo chegou ao Superior Tribunal de Justiça. Os
ministros Bendito Gonçalves, Luis Felipe Salomão e Marco Belizze
pediram à advogada o endosso do governador em suas campanhas.
A
nomeação do último, em 2011, culminou numa briga do casal, origem
da sucessão de fatos que provocaram a queda de popularidade de
Cabral. Embora tenha recebido Belizze em seu escritório, Ancelmo
defendeu a nomeação de seu sócio Rodrigo Cândido de Oliveira.
Ao
ter a indicação recusada, Ancelmo se separou de Cabral. Foi quando
Fernando Cavendish, ex-dono da Delta Construções, convidou o
governador para seu aniversário na Bahia. Um helicóptero caiu,
matando sete pessoas e revelando a relação próxima entre os dois.
Meses
depois, Ancelmo e Cabral reataram o casamento. Amigos relatam que o
episódio agravou um problema crônico dela: a depressão que há
anos lhe acometia.
RECONCILIAÇÃO
Curiosamente,
quase todas as acusações contra a ex-primeira-dama referem-se a
fatos ocorridos após a reconciliação com Cabral.
Foi
quando teria recebido e comprado as
joias mais valiosas –usadas, segundo a procuradoria, para
ocultar patrimônio. É também o período em que seu escritório é
acusado de receber quase todos os pagamentos sem
a prestação de serviço, meio pelo qual teria lavado dinheiro
de propina.
A
maioria dos repasses suspeitos à firma ocorre após 2013, quando a
sociedade dela com Coelho foi desfeita. O escritório passou a ter
metade do número de advogados e de área ocupada. Apesar disso, deu
um salto real de 24% no faturamento em 2014, recebendo R$ 17,5
milhões.
A
defesa de Ancelmo afirma que ela prestou serviços para todos os
pagamentos recebidos. E nega que ela tenha adquirido joias de forma
ilegal.
A
ex-primeira-dama foi presa em dezembro de 2016 e, desde março deste
ano, aguarda
julgamento em regime de prisão domiciliar".
Fonte: "folha"
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