Luís Roberto Barroso, ministro do STF. Foto: Carlos Moura |
Podemos
sair do desastre humanitário da pandemia mais ricos como cidadãos
Uma
recessão mundial parece inevitável. E ela nos colherá após anos
de recessão doméstica. Não virão tempos fáceis. Parece
inevitável que todos ficaremos, ao menos temporariamente, mais
pobres do ponto de vista material. Porém, na vida, tudo pode servir
de aprendizado.
Sou
convencido de que podemos sair do desastre humanitário da pandemia
da Covid-19 mais ricos como cidadãos e, talvez, também
espiritualmente. Para isso, procuro alinhavar uma agenda pós-crise,
mas que já pode ser colocada em prática desde logo. Toda escolha
dessa natureza tem alguma dose de subjetividade, mas eis a minha
lista de propostas: integridade,
solidariedade,
igualdade,
competência,
educação
e ciência
e tecnologia.
A integridade é
a premissa de tudo o mais. Ela precede a ideologia e as escolhas
políticas. Ser correto não é virtude ou opção: é regra
civilizatória básica. Não há como o Brasil se tornar
verdadeiramente desenvolvido com os padrões de ética pública e de
ética privada que temos praticado. Um pacto de integridade só
precisa de duas regras simples: no
espaço público, não desviar dinheiro;
no
espaço privado, não passar os outros para trás.
Será uma revolução.
Solidariedade significa
não ser indiferente à dor alheia e ter disposição para ajudar a
superá-la. Ela envolve, para quem foi menos impactado pela crise, a
atitude de auxiliar aqueles que sofreram mais. Como, por exemplo,
continuar pagando por alguns serviços, mesmo que não estejam sendo
prestados. Da faxineira à manicure. E, evidentemente, caridade e
filantropia por parte de quem pode fazer.
A
superação da pobreza extrema
e da desigualdade injusta
continua a ser a causa inacabada da humanidade. Vivemos num mundo em
que 1% dos mais ricos possui metade de toda a riqueza. E num país no
qual, segundo a organização Oxfam, 6
pessoas somadas possuem mais do que 100 milhões de brasileiros.
A pandemia escancarou o déficit habitacional, a inadequação dos
domicílios e a falta de saneamento, em meio a tudo o mais. Já
sabemos onde estão as nossas prioridades.
Quanto
à competência,
precisamos deixar de ser o país
do nepotismo, do compadrio, das ações entre amigos com dinheiro
público.
Aliás, uma das coisas que mais dão alento no Brasil é o fato de
que, quando
se colocam as pessoas certas nos lugares certos, tudo funciona bem.
Há exemplos recentes, no Banco Central, na Petrobras, na
Infraestrutura e na Saúde. Precisamos
derrotar as opções preferenciais pelos medíocres, pelos espertos e
pelos aduladores. É hora de dar espaço aos bons.
O
déficit na educação
básica —
que é a que vai do ensino infantil ao ensino médio — é a causa
principal do nosso atraso. No Brasil, ela só se universalizou 100
anos depois dos Estados Unidos. Elites extrativistas e incultas
escolheram esse destino. A falta de educação básica está
associada a três problemas graves: vidas
menos iluminadas,
trabalhadores
de menor produtividade
e reduzido
número de pessoas capazes de pensar soluções para o país.
Ao contrário de outras áreas, os problemas da educação têm
diagnósticos precisos e soluções consensuais. Há
tanta gente de qualidade nessa área que é difícil entender o
descaso.
E,
por fim, há a urgente necessidade de mais investimento em ciência
e tecnologia.
O mundo vive uma revolução tecnológica e está ingressando na
quarta revolução industrial. A riqueza das nações depende cada
vez menos de bens materiais e, crescentemente, de conhecimento,
informação de ponta e inovação.
Precisamos prestigiar e ampliar nossas instituições de pesquisa de
excelência, assim como valorizar os pesquisadores. A
democracia tem espaço para liberais, progressistas e conservadores.
Mas não para o atraso.
Tem
se falado que, depois da crise, haverá um novo normal. E se não
voltássemos ao normal? E se fizéssemos diferente?
Luís
Roberto Barroso
Ministro
do Supremo Tribunal Federal
Fonte: "OGLOBO"
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