quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Rio Una: Prolagos e Secretaria Estadual do Ambiente estão encobrindo a verdade

A atenção foi desviada do trágico desastre, que também é um vergonhoso escândalo, que destruiu a praia e a baia da praia da Rasa, em Búzios, em consequência de uma incalculável quantidade de esgoto, oriundo da ETE no bairro de Jardim Esperança, Cabo Frio, despejado no rio Una a partir de 03 ou 04/12. Uma chuva torrencial atingiu a cidade na noite de 18/12 que está, praticamente, ilhada.

Os efeitos do temporal serão, eventualmente, superados, mas a destruição da costa esquerda da península de Búzios é irreversível.

O acobertamento teve início em 10/12 quando técnicos do INEA recolheram amostras em 13 praias de Búzios e o órgão, três dias depois, publicou um boletim de balneabilidade qualificando como liberadas para o banho 12 delas, incluindo Manguinhos e Rasa, as duas mais duramente afetadas pelo despejo de esgoto.

Continuando com o acobertamento, em 16/12 o INEA divulgou uma nota de esclarecimento informando que “diante das denúncias de mudança na coloração no Rio Una, em Búzios, técnicos da Gerência de Avaliação de Qualidade de Água de da Superintendência Regional Lagos São João vistoriaram e coletaram no dia 12/12 amostras de água para análise em laboratório. Os valores de Demanda Química por Oxigênio (DQO), em torno de 192 mg/L – muito acima da média histórica verificada no monitoramento sistemático, de 40 mg/L -, constatados em laboratório, indicam a provável ocorrência de lançamento de origem industrial ou agroindustrial, como vinhoto (subproduto da fabricação de açúcar ou álcool) ou de outro produto decorrente do uso de fertilizantes nas margens do rio”. É uma conclusão que busca proteger tanto a empresa Prolagos, responsável pela operação da ETE, como a SEA que, se responsabilizasse a empresa teria que aplicar-lhe uma multa que poderia alcançar R$50 milhões.

O que nem a Prolagos nem a SEA sabiam é que em 09/12, portanto na véspera das coletas de amostras de água, Mauro Cesar de Mello, morador no bairro de Vila Verde, Búzios, acompanhado de pessoa não identificada, filmou a foz do rio Una e um trecho de seu curso. O vídeo foi entregue à jornalista Maria Fernandes Quintela, da empresa Céu Aberto Filmes, que o editou e publicou em 10/12. Esse vídeo pode ser visto acessando o link
"youtube 1" Logo no início se ouve Mauro Cesar exclamando, “... água de esgoto; cheiro insuportável...”. Mauro Cesar Mello, que foi identificado em e-mail recebido da jornalista, não respondeu às duas solicitações feitas para que comentasse sobre as circunstâncias que o levaram a ir à foz do rio Una e identificasse seu acompanhante. No final do vídeo se ouve, claramente, Mauro Cesar perguntando ao acompanhante, “... aqui é?”, esse acompanhante respondendo “Una”.


A Prolagos e a SEA também não sabiam que em 10/12, o jovem Fábio, morador do bairro de Maria Joaquina, estava fazendo um depoimento, gravado por Luiz Carlos Gomes, responsável pelo blog Iniciativa Popular Búzios. Fábio é enfático: “... a catinga vai um quilômetro pra dentro da Maria Joaquina...”. O depoimento pode ser visto acessando o link "Youtube 2" .

A Prolagos e a SEA também não sabiam que em 11/12, uma jornalista, que não deseja ser identificada, entrevistou Luis Oliveira, pescador e pastor da Rasa, que deixa claro em seu depoimento, gravado e disponível em uma rede social, que não tinha dúvida de que o que atingiu o rio Una, e a seguir a praia da Rasa, foi um despejo de esgoto com origem na ETE no Jardim Esperança. É muito claro quando diz que pisou em esgoto quando entrou na água na praia. Qualquer pessoa saberia distinguir excrementos humanos de vinhoto, e um pescador com a experiência de Luis Oliveira não confundiria uma coisa com a outra. Afinal, vinhoto é líquido e o pescador declara que “pisou em esgoto”, no caso, excrementos humanos. A sua avalização foi objetiva: a ETE pode ter atingido seu limite de contenção de esgoto e teve que ser esvaziada. A isso se pode adicionar a ocorrência do que foi previsto em artigo nesta revista, "O Una está entupido" e abertura de comporta liberou uma violenta vazão que teve o efeito desejado, desintupindo o rio. 

Aparentando tranquilidade, em um longo depoimento dado a um jornal de Búzios, em 17/12, o vice-prefeito e secretário e meio ambiente de Búzios não conseguiu esconder sua perplexidade e não percebeu a contradição quando, a partir do 32º minuto da entrevista, comenta sobre o tipo de produto que teria sido despejado no rio Una. Diz ele, “... tudo leva a crer que seja produto químico...” para, em seguir, acentuar “... cara, o dano é muito grande, o dano causado é muito grande...”. Ora, que produto químico teria sido despejado, e em que volume, para ter afetado uma área com cerca de 20 quilômetros quadrados, em frente a uma costa com mais de 15 quilômetros? O que torna a entrevista fascinante é a admissão de que a biota, conjunto de seres vivos de um ecossistema que o sustenta, havia sido destruída na área afetada pelo despejo. Estimou dois anos para sua recuperação.

O que se percebe na entrevista do vice-prefeito de Búzios é que, tal como a Prolagos e a SEA, também não tinha conhecimento do vídeo de Mauro Cesar de Mello, do depoimento do jovem Fábio, do depoimento de Luis Oliveira. E de outros, muitos outros.

È impossível sustentar o argumento de que se tratou de um despejo de produto químico. Luis Oliveira pisou em excrementos humanos. Não foi banhado por água salgada misturada com algum líquido químico. A fedentina a que Fábio se referiu era de esgoto, de excrementos humanos. O que Mauro Cesar de Mello filmou foi água do rio Una misturada com excrementos humanos.

Tivesse ocorrido despejo de vinhoto ou de produtos químicos, espalhando-se naquela área de 20 quilômetros quadrados, uma mortandade de peixes se seguiria, o que não ocoreu. O empenho em um acobertamento como em curso é desmascarado, justamente, porque não consegue abranger todas as possibilidades de ocorrência de outros desastres como aquela mortandade. É o caso de se argumentar que os peixes não morreram por serem, naturalmente, capazes de absorver enormes quantidades de um derivado da produção de alcóol. A biota na baia da Rasa sustenta gerações de peixes alcoólatras.

 O vice-prefeito terá que revisar sua estimativa de recuperação da biota. Esgoto continuará a ser despejado no rio Una e dali para a área acima e abaixo de sua foz. Quando a capacidade da ETE no Jardim Esperança for aumentada para 560 l/s, somando-se à transposições das ETE´s em Iguaba, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio e Araruama, totalizando 122 milhões de litros de esgoto por dia, a situação se agravará com consequências imprevisíveis.

É lamentável que a Prolagos e a SEA prossigam com o acobertamento da verdade sobre o que, de fato, aconteceu. Dessa maneira, os poderes público e privado se unem numa verdadeira conspiração, um gesto desrespeitoso que ofende a dignidade de todos os cidadãos da Região dos Lagos, senão da população do estado do Rio de Janeiro.
Cabe, no caso de Búzios, uma pitada de humor negro: quando soube que Luiz Fiirmino Martins Pereira, subsecretário da SEA, iria apresentar um projeto para o rio Una, o tempo fechou.

21/12/2013
Ernesto Lindgren
Fonte: ”Revista Cidade”

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