Escuna de Búzios, foto buziosonline |
No dia 11 último, Dr. MARCELO ALBERTO CHAVES VILLAS, titular da 2ª Vara de Búzios, prolatou sentença no processo Nº 0002109-54.2014.8.19.0078. Devido à importância da atividade náutica para a Cidade publico abaixo a sentença na íntegra.
Sentença:
"Trata-se de ação
anulatória de inexistência de relação jurídico-tributária, de procedimento
comum, de rito ordinário, com pedido ainda de antecipação dos efeitos da
tutela, que foi proposta por ROMNEY DE AGUIAR -ME em face do MUNICÍPIO
DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS.
A exordial consta de
fls. 02/19, tendo sido instruída com procuração e demais documentos, em
especial com notificação de lançamento de tributo, a saber, de ‘taxa de
serviços de Transporte Marítimo de Passageiros’ de fls. 31.
Na exordial, o autor
alega, em síntese que a empresa autora exerce atividade econômica no setor
náutico deste Município, possuindo quatro embarcações de médio porte,
destinadas a passeios turísticos, obtemperando que apesar de haver quitado
tributo municipal denominado de ISSQN (Imposto Sobre Serviço de Qualquer
Natureza), e de ter quitado também taxa de licenciamento de atividade
empresarial para obtenção de alvará de funcionamento, a municipalidade está lhe
cobrando uma denominada ‘taxa marítima’, instituída através do Código Tributário
Municipal, cujo montante demasiadamente elevado no seu entendimento se
consubstancia em prática de confisco, o que é vedado pelo artigo 150, inciso
IV, da Constituição Federal, expresso na seção II que trata das Limitações do
Poder de Tributar do Capítulo I do Sistema Tributário Nacional, do TÍTULO VI da
aludida Magna Carta. Destarte, maculado estaria também o princípio da
capacidade tributária que está intimamente relacionado com a limitação do
direito de tributar consubstanciado no não-confisco por meio da competência
tributária de instituição de exações.
Prossegue o autor em
sua peça vestibular aduzindo que a Lei Municipal n° 764, por sua vez, vincula a
obtenção e renovação da licença para atividades náuticas no Município ao
pagamento da aludida taxa, que aventa deter, dentre outros aspectos
inconstitucionais, natureza claramente confiscatória. Argumentando ainda o
autor que a municipalidade com a sua atividade ‘fiscalizatória’ em relação à
atividade marítima da empresa demandante está invadindo esfera de competência
de outros órgãos.
A parte autora
esclarece que a cobrança da taxa marítima tem periodicidade anual, tendo como
base de cálculo o total de cada passageiro licenciado em cada escuna ou
traineira com capacidade acima de 12 passageiros, com a incidência de 50 UFPM
correspondente a R$ 2,00 (dois reais) por cada passageiro licenciado, o que
daria no caso das quatro embarcações do demandante com capacidade para 118, 99,
80 e 114 passageiros, o valor total de R$ 41.100,00 (quarenta e um mil e cem
reais) a serem pagos anualmente. Base de cálculo esta estabelecida no artigo
306 c/c o Anexo XX da Lei Complementar n° 22/2009, que instituiu o Código
Tributário Municipal do Município de Armação dos Búzios.
Aventa ainda a parte
autora que o aludido tributo ora contestado está maculado ainda pelo bis in
idem, já que o ente federativo vem cobrando tributos com o mesmo fato
gerador, a exemplo do Imposto Municipal sobre Serviços, de competência
tributária municipal, cuja base de cálculo é obviamente o preço sobre o serviço
prestado, o que in casu, seria o valor correspondente ao transporte pago
por cada passageiro relativo a cada passeio turístico pelo litoral do cabo de
Armação dos Búzios.
Prossegue o autor
aduzindo que além de pagar tributo municipal denominado de ISSQN (Imposto Sobre
Serviço de Qualquer Natureza), previsto no artigo 51 do Código Tributário
Municipal, e de pagar taxa de licenciamento de atividade empresarial para
obtenção de alvará de funcionamento, a cobrança da aludida taxa marítima também
configuraria bis in idem com aquelas exações, isto sem que a
municipalidade exercesse qualquer contraprestação pelo pagamento da exação
contestada.
Assim, o demandante
requereu, além da anulação do lançamento do tributo vergastado, a declaração de
inconstitucionalidade dos artigos 306 e 312 do Código Tributário Municipal.
A parte autoral
requereu ainda a antecipação dos efeitos da tutela para que a Municipalidade
concedesse a licença concedida pela Secretaria Municipal de Ordem Pública para
funcionamento de suas atividades de passeio turístico, como exige a Lei
Municipal n° 764/2009, inobstante o não-pagamento do tributo contestado.
O Juízo na decisão de
fls. 67/70 ao vislumbrar a verossimilhança das alegações autorais, mormente
quanto a provável utilização de tributo como efeito de confisco e quanto a
provável ocorrência de bis in idem entre a aludida taxa marítima e
outras exações já cobradas pela municipalidade. Asseverando o Juízo naquela
decisão que, em sede de cognição sumária, não seria recomendável ao Juízo se
imiscuir quanto à pertinência ou não do exercício do poder de polícia pela
autoridade municipal quanto à fiscalização da segurança de embarcações de
passeios turísticos, em face de tal poder já ser concomitantemente outorgado à
Marinha do Brasil, através da Capitania dos Portos. Tendo deixado também de se
imiscuir em mera cognição sumária quanto à necessidade ou não de
contraprestação de serviço público por parte do Ente Tributante para a
instituição de taxa em razão tão somente do exercício do poder de polícia.
Citado o Município, o
mesmo apresentou contestação às fls. 74/78, negando que o tributo vergastado
tenha o efeito de confisco e ainda negando que haja entre a taxa marítima e o
ISS qualquer bis in idem, mormente ante ao disposto editado pela Súmula
Vinculante n° 29 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser constitucional
a adoção, no cálculo do valor da taxa, de um ou mais elementos da base de
cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade
entre uma base de cálculo e outra.
O Ministério Público
não foi instado a dar parecer, pois em diversos casos fazendários a Promotoria
de Justiça anterior havia opinado no sentido de que as hipóteses não seriam de
intervenção ministerial, muito embora tais casos versassem inequivocamente
sobre assuntos de interesse da Fazenda Municipal, sendo certo que o interesse
da Fazenda Pública, salvo situações peculiaríssimas, não pode ser encarado como
disponível. Assim, como há novo Promotor Titular com atribuição junto a este
Juízo com competência fazendária, e sem que haja prejuízo à celeridade
processual, determinar-se-á em seguida a prolação desta sentença à abertura de
vista dos autos ao Parquet para ciência do conteúdo deste decisum.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO:
Presentes as
condições do exercício do direito de ação, bem como presentes os pressupostos
de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo.
Em seguida, cabível o julgamento
antecipado da lide, nos moldes do artigo 330, inciso I, do Código de Processo
Civil, pois a questão em tela é de direito e de fato que prescinde de qualquer
outra produção probatória, mormente oral.
No mérito, impende
asseverar que demanda em voga diz respeito à válida existência, ou
inexistência, de relação jurídico-tributária entre a parte autora e o ente de
Direito Público Municipal, no que tange a incidência, ou não, da denominada
‘taxa marítima’ para que o empresa demandante, nos moldes da própria legislação
municipal (Lei Municipal n° 764/2009) possa continuar desempenhando suas
atividades, vez que de acordo com a aludida legislação à obtenção de licença
para o exercício de atividades náuticas estaria condicionada ao pagamento da
aludida taxa marítima, que é prevista no artigo 306 do Código Tributário
Municipal.
A priori, insta perscrutar,
então, em relação à mencionada taxa marítima se a mesma pode vir a ser
instituída e cobrada tão somente em função do poder de polícia exercido pelo
ente de direito público municipal no que tange a segurança e ao bem-estar das
embarcações de passeio (transporte marítimo de passageiros), nos moldes do
artigo 77 do Código Tributário Nacional (Lei n° 5.172/66 recepcionada pela
Constituição Federal de 1988 com status de Lei Complementar), vez que no
entendimento da parte autora, além do exercício do poder de polícia, a
imposição da espécie tributária taxa demanda também para sua hipótese de
incidência a existência de um serviço público específico e divisível, de
utilização efetiva ou potencial.
Como se dessume dos
termos do artigo 306 do Código Tributário Municipal à aludida taxa marítima tem
como fato gerador tão somente o exercício do poder de polícia, senão, vejamos:
CAPÍTULO XVIII
TAXA DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE
PASSAGEIROS
Seção I
Do Fato Gerador e da Incidência
Art. 306. A Taxa de Serviços de
Transporte Marítimo de Passageiros, fundada no poder de polícia do Município,
concernente à preservação da segurança pública e ao bem-estar da população, tem
como fato gerador à fiscalização e a regulação por ele exercida sobre os
transportes marítimos de passageiros, em observância às normas de posturas
municipais de autorização, permissão e concessão ou outorga para exploração do
serviço de transporte de passageiro.
Pela hermenêutica
literal do artigo 77 Código Tributário Nacional identificável dois tipos de
taxa, a saber, taxas de polícia pelo exercício do poder de polícia estatal e as
taxas de serviço pela utilização efetiva ou potencial, de serviço público
específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Entretanto, grande
parte da doutrina inadmite que a taxa, sendo um tributo vinculado, não tenha
natureza comutativa ou retributiva, reputando que a hipótese de incidência de
tal espécie tributária dependa de uma atividade específica relativa ao
contribuinte, a saber, de uma ação estatal que acarrete ao contribuinte o gozo
individualizado do serviço público.
Destarte, no que
tange as denominadas taxas de polícia, o tributarista Luiz Emygdio F. da Rosa
Jr. entende que tal espécie tributária deve deter necessariamente caráter
contraprestacional, eis que em seu entendimento o mero poder de polícia, em si
e por si, não constitui fato gerador da taxa, e somente um serviço relacionado
ao citado poder é que configuraria o fato gerador do aludido tributo.
Impende, então, frisar que o exercício do poder de
polícia é realizado, e os serviços públicos são prestados porque são atividades
do interesse público. Contudo, não há por que toda a sociedade participar do
custeio de tais atividades estatais na mesma medida se tais atividades são
específicas, divisíveis e realizadas diretamente em face ou para determinado
contribuinte que a provoca ou demanda. Daí a outorga de competência para a
instituição de tributo que atribua o custeio de tais atividades específicas e
divisíveis aqueles aos quais foram realizadas, conforme o custo individual do
serviço que foi prestado ao contribuinte ou fiscalização a que foi submetido. Assim, nos moldes do
Código Tributário Nacional o poder de
polícia é a atividade estatal especificamente direcionada ao contribuinte que
limita: direitos e atividades suas de relevante interesse coletivo, visando à
proteção do interesse público maior que possa ser afetado, caso a imposição
restritiva não seja efetivamente desempenhada, assim, o Estado pode
regulamentar concretamente o exercício da liberdade individual de um cidadão
para que a segurança da população, uma das facetas do interesse público, não
seja lesionada, em suma, tal poder regulamentar haurido do poder de polícia
funda-se no princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.
Destarte, nesta ótica o Estado pode ainda cobrar uma taxa como decorrência do
regular exercício do poder de polícia, mesmo que ela não seja desejada ou traga
qualquer vantagem para o contribuinte respectivo.
Nesta senda, não seria antijurídico a instituição
de uma taxa pelo ente municipal, como a prevista no artigo 306 do Código
Tributário Municipal, para a preservação da segurança pública e para o bem-estar
de todos em função da fiscalização desses aspectos em relação ao transporte
marítimo de passageiros relacionado a passeios turísticos pela costa deste
cabo. Nesta seara, uma atividade não deixa de ser prestada ao contribuinte,
ainda que não desejada ou não lhe traga vantagem, restando, assim, a
perquirição da contraprestação em termos praticamente eufemísticos.
Já a questão do ente municipal poder
concomitantemente ou de modo complementar com a Capitania dos Portos também
exercer a fiscalização da segurança das embarcações turísticas de passageiros
que embarcam em seus cais, sem que haja obviamente qualquer invasão da
competência daquele órgão federal, tal exercício do poder de polícia não
transparece, a priori, ser de modo algum ilegal. Pelo contrário, o poder de
polícia concorrente em prol da segurança, a priori, não se reveste de qualquer
ilegalidade, a exemplo do poder de polícia ambiental que com base na
Constituição Federal pode ser exercido por qualquer dos entes federativos.
Urge, então, destacar que esta cidade é
eminentemente turística, sendo grande a presença de embarcações, nesta
municipalidade, utilizadas para passeios turísticos pelas nossas costas,
enquanto, por outro lado, dessume-se uma deficiência na fiscalização da
Capitania dos Portos, cuja sede nesta Região dos Lagos situa-se no Município de
Cabo Frio, cidade também turística e com grande número de embarcações, sendo,
portanto, quase rara as fiscalizações daquele órgão no litoral buziano,
mormente quanto ao momento de embarque de passageiros em escunas ou traineiras
em cais e píeres deste município.
Destarte, não vislumbra o Juízo por parte do poder
de polícia regulamentar municipal qualquer invasão da esfera de competência da
União.
Ademais, fiscalização no que tange ao aspecto de
segurança nunca é demasiada, não podendo deixar este Juízo de citar o caso
emblemático e trágico da embarcação ‘Bateau Mouche’ em 31 de dezembro de 1988,
no Rio de Janeiro, quando a denominada embarcação superlotada de passageiros
adernou, matando 55 pessoas. Acidente criminoso que fora acarretado pela
ganância de empresários do setor turístico, aliada ainda a leniência e a falta
de fiscalização de órgãos estatais. Obstar a fiscalização quanto a um aspecto
de segurança poderia transmudar-se, por via de consequência, em uma vulneração
ao subprincípio constitucional de vedação de proteção insuficiente haurido do próprio
princípio da proporcionalidade.
A atividade de polícia ora contestada está na visão
deste Juízo, portanto, de acordo com a autonomia municipal para que a
municipalidade organize os seus serviços e organize suas atividades
fiscalizatórias, mormente as de interesse local, sendo certo que consoante
escólio do Eminente Administrativista Helly Lopes Meirelles, haurida de sua
obra “Direito Municipal Brasileiro”, os limites do poder de polícia
administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os
direitos fundamentais do indivíduo assegurados pela Constituição Federal, pois
do absolutismo individual advindo da Era das Revoluções em contrate com o
absolutismo do Estado, nossa ordem pós-positivista já evoluiu para o
relativismo social, daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição dos
direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem comum.
Destarte, é inconteste a competência do Município
para legislar sobre assuntos de interesse local e ainda para suplementar, no
que couber, a legislação federal e estadual, conforme disposto nos incisos I e
II, do artigo 30 da Constituição Federal. Deste modo, em uma cidade
eminentemente turística, cuja atividade de passeios turísticos náuticos é
intensa, em especial nos períodos de alta temporada turística, a fiscalização
complementar feita pela municipalidade da segurança das embarcações que fazem
transporte marítimo de passageiros nos atracadouros e cais desta cidade
revela-se, assim, mais do que salutar e em consonância com a segurança coletiva
e o bem comum de todos.
Em prosseguimento, certo que a taxa fundada no
poder de polícia tem basicamente caráter extrafiscal, como prelecionava o
Mestre Aliomar Baleeiro, pois visam impedir ou restringir atividades que possam
ameaçar o interesse da comunidade. Neste aspecto, então, é que se pode
depreender também em relação à taxa de polícia que esta deve se basear no
princípio custo/benefício, ou seja, custo para a Administração e o benefício
público de quem recebe o serviço, mesmo que se trate de atividade
fiscalizatória ainda que não pretendida.
Daí o valor de tal tributo ter que guardar relação
com o custo do serviço fiscalizatório e o ‘benefício’ outorgado ao
contribuinte, sem que tal possa conspurcar o princípio constitucional da capacidade
contributiva a qual se submetem todos os tributos. Nesta senda, podemos
analisar a aplicabilidade desta orientação constitucional com relação às taxas,
sejam elas instituídas com fundamento em serviços públicos específicos e
divisíveis ou no exercício do poder de polícia. De acordo com o tributarista
Hugo de Brito Machado, observando a restrição imposta pelo constituinte, o
mesmo observou que em relação às taxas o princípio da capacidade contributiva
há de ter um tratamento específico, distinto do que há de ter no que tange aos
impostos. O fato gerador das taxas, como tributos vinculados que são, decorrem
de uma atuação estatal específica e direcionada ao contribuinte, seja através
da prestação de serviços ou do exercício do poder de polícia, sendo coerente
que a dimensão do fato imponível seja a o valor gasto. Daí porque não se deve
dimensionar a taxa, na visão do aludido tributarista, conforme, a prima facie,
a capacidade contributiva de quem deve pagar. Isso não quer dizer que
rigorosamente não se observará esta norma constitucional. Todavia, a aplicação
do princípio fica ao bom senso do ente tributante competente para cobrar a
referida exação.
No caso vertente, a municipalidade confessa em sua
contestação que o valor da taxa marítima para cada uma das quatro embarcações
da empresa demandante tendo como base de cálculo primordial a lotação total de
cada uma delas é respectivamente de: R$ 11.800,00 (onze mil e oitocentos reais)
para embarcação de 118 passageiros, R$ 9.900,00 (nove mil e novecentos reais)
para embarcação de 99 passageiros, R$ 8.000,00 (oito mil reais) para embarcação
de 80passageiros e R$ 11.400,00 (onze mil e quatrocentos reais) para embarcação
de 114 passageiros.
Impende salientar, com efeito, que de modo geral o
valor alcançado para cada destas taxas marítimas com periodicidade anual,
calculadas com base no total de passageiros de cada embarcação em virtude do
poder de polícia do ente tributante, é extremamente alto. Tais valores
demasiados configuram, então, indubitáveis excessos de exações, característicos
de verdadeiros confiscos, pois o princípio da capacidade contributiva contém
dois elementos, a saber, um objetivo e outro subjetivo. Assim, quanto ao
elemento objetivo o Estado deve tributar de acordo com a exteriorização da
riqueza manifestada através do ato, conquanto, tal exteriorização deve
manifestar uma real capacidade de contribuição que possa suportar a incidência
do ônus fiscal. Já quanto ao aspecto subjetivo do princípio, este está
relacionado com a riqueza da pessoa do contribuinte, para que haja exata medida
do tributo fixado pela lei fiscal com a capacidade do contribuinte, de modo que
não se imponha sacrifício demasiado ao contribuinte.
Embora, tais elementos acima destacados do
princípio da capacidade contributiva se subsumam melhor como parâmetros do
tributo denominado imposto, uma vez que a taxa – esta sim deva guardar estreita
relação com o binômio custo/benefício, tais parâmetros, contudo, não deixam de
ter aplicabilidade no caso em tela, pois apesar da atividade da autora ser
extremamente lucrativa em períodos sazonais de alta turística, sem embargo de
eventual análise de bis in idem desta exação vergastada com o tributo de
competência municipal que tem como fato gerador a própria prestação do serviço
(ISS), já em períodos de baixa temporada, tal exação oponível pela
municipalidade ainda que com periodicidade anual na esteira do faturamento
anual da atividade da autora acaba, então, por se revelar de extrema demasia,
mormente se por critério ainda for sopesado, além da receita bruta ânua, a
própria lucratividade anual desta atividade. De igual modo, sob o enfoque
subjetivo, sopesando-se uma estimativa de lucratividade ânua da atividade
empresarial da parte autora, o sacrifício suportado pelo contribuinte detém
aspecto de verdadeiro confisco, ou se não travestir-se de um confisco, ao
menos, de quase um confisco, o que fere, por via de consequência, os postulados
da razoabilidade e da proporcionalidade, em especial quanto ao aspecto do
princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
Por certo, como nas palavras do Insigne
Tributarista Luiz Emygdio F. Rosa Jr., “o poder de tributar deve ser compatível
com o de conversar, e não com o de destruir”. De tal assertiva decorre o
princípio da vedação do tributo confiscatório, previsto no já citado artigo
150, inciso IV, da Carta Magna. Assim, se na análise perfunctória para
concessão da liminar já dessumia este órgão jurisdicional o caráter
confiscatório no tributo em questão, já que não se verificava a imediata
razoabilidade no valor cobrado, que ameaçava ferir, por consequência, o
princípio da capacidade contributiva, agora nesta sentença, após a análise da
resposta da municipalidade que confessa a incidência da controvertida exação em
parâmetros extremamente elevados para a cobrança de uma simples taxa instituída
pelo exercício do poder de polícia, dúvidas não restam a este Juízo que tal
‘taxa marítima’ tem, de fato, o efeito de um verdadeiro confisco.
Lembre-se que o princípio expresso na Constituição Federal
que veda o tributo como efeito confiscatório está intimamente ligado ao
princípio da capacidade contributiva.
Ao vedar o caráter confiscatório do tributo, a
intenção do Ordenamento Pátrio e da Ordem Constitucional é a de impedir uma
“verdadeira absorção, total ou parcial, da propriedade particular pelo Estado”,
conforme leciona o doutrinador citado alhures. Assim, no caso em tela os
parâmetros da base de cálculo desta denominada ‘taxa marítima’ instituída pela
municipalidade e fixados pelo Código Tributário Municipal de Armação dos Búzios
consubstanciam-se em grandeza econômica desarrazoada sobre a qual se aplica a
alíquota alicerçada em unidade fiscal editada pelo município, que acarreta
verdadeiro efeito confiscatório, razão pela qual a controvertida taxa afronta
diretamente à Constituição Federal, ao vulnerar a vedação contida no artigo
150, inciso IV, da Constituição Federal.
Daí vislumbrar-se em relação ao Capítulo VIII do
Código Tributário Municipal do Município de Armação dos Búzios, que trata da
previsão da taxa de serviço de transporte marítimo de passageiros, que na seção
IV, que trata da base de cálculo desta exação, há, então, inequívoca
inconstitucionalidade do parágrafo único do seu artigo 310, que ora se
transcreve abaixo:
Seção IV
Da Base de Cálculo
Art. 310. A base de cálculo da taxa será
determinada em função do custo da respectiva atividade pública específica.
Parágrafo único - A referida taxa será cobrada
conforme Anexo XX desta Lei Complementar.
ANEXO XX
Tabela para cálculo da Taxa de Serviços de
Transporte Marítimo de Passageiros.
Especificações
UPFM/Ano
Embarcações a motor até 50 hp e até 12
passageiros de
capacidade
100
Escunas e traineiras acima de 12 passageiros (por
passageiros licenciados) 50
Jet-sky
3500
Lancha com banana-boat ou
bóias
350
Demais embarcações (por passageiros
licenciados)
50
|
Nota-se, assim, que a base de cálculo da
controvertida exação, além de deter certa identidade com a base de cálculo do
Imposto sobre Serviços, ainda que de periodicidade anual, detém tal taxa um
cristalino efeito confiscatório, pois sua forma de cálculo se assenta em
unidade fiscal incidente sobre a quantidade total de passageiros que cada
embarcação pode transportar, enquanto o valor do imposto detém como base de
cálculo o preço do serviço do transporte marítimo pago por cada passageiro.
Isto, sem que a base de cálculo da exação inquinada detenha qualquer relação
com o custo do ato específico prestado pela municipalidade, que vem a ser o
custo do serviço de fiscalização para subsequente obtenção de licença municipal
(ato administrativo negocial) para que cada embarcação possa proceder ao
transporte marítimo turístico em razão do respectivo exercício do poder de
polícia atinente à segurança das embarcações de transporte turístico
marítimo.
Impende, então, ressaltar que a taxa deve ser
cobrada visando reembolsar o Estado (ente tributante) do custo despendido no
desempenho da atividade específica definida em lei como a hipótese de
incidência. Conquanto, a lei tributária instituidora da taxa deve guardar uma
razoável, discreta e prudente proporcionalidade entre o custo do serviço e o
valor da taxa cobrada, muito embora na prática, não há como se apurar com
exatidão se o valor cobrado pelo ente tributante corresponde exatamente ao
custo do serviço público ou ao custo da atividade fiscalizadora do poder de
polícia, entretanto, se os custos do ente tributante e o valor da taxa cobrada
não guardarem razoabilidade e proporcionalidade, ou seja, não vir o ente
tributante a obedecer tais postulados aferíveis não apenas por parâmetros
matemáticos, mas também pela aplicação da própria lógica formal,
depreendendo-se, então, claramente que o valor da exação supera em demasia o
custo do serviço, não se estará diante de taxa, mas de hipótese de instituição
de verdadeiro imposto, que já é outra espécie tributária com estrutura
absolutamente diversa da taxa. Esta é, aliás, a clara visão dogmática sobre o
tema feita pelo Tributarista Luiz Emygdio F. Rosa Jr., em sua obra “Manual de
Direito Tributário”.
Como preleciona o Eminente Tributarista Sacha
Calmon é cabente em matéria de instituição de taxa também o princípio do não
confisco quando se trate de uma taxa exorbitante, desmedida em relação ao
serviço ou ao ato prestado, embora que ainda difícil a precisa mensuração dos
custos dos serviços. Assim, como também não há duvidas da incidência do
princípio da capacidade contributiva em relação às taxas, conforme escólio do
citado Jurista para que se expunja a prática de confisco entre o custo do serviço
ou do ato prestado pelo Estado e o valor da exação que não pode ser demasiado,
necessária se faz a incidência dos postulados da razoabilidade e
proporcionalidade para verificação da não utilização de tributo como efeito de
confisco, pois a desrazão e a desproporcionalidade podem descambar por certo
para o confisco, que é prática medieval e repudiada por um regime democrático
de Direito.
Como já dito acima, se a taxa, como a da hipótese
ora analisada, detém valor demasiado e desarrazoado, revelando-se
desproporcional com o serviço prestado, estamos então diante da hipótese de
instituição de verdadeiro imposto, mormente se for sopesado que as taxas não
podem ter base de cálculo própria de impostos, de acordo com o § 2° do artigo
145, da Constituição Federal, inserto na seção que trata dos princípios gerais
do Sistema Tributário Nacional. Assim, vislumbra-se no caso em comento, em
especial ante a mera hermenêutica literal do parágrafo único, do artigo 310 do
Código Tributário Municipal do Município de Armação dos Búzios (Lei
Complementar Municipal n° 22, de 09 de outubro de 2009), que a denominada taxa
municipal de transporte marítimo de passageiros tem identidade com um dos
elementos da base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza de
competência de instituição também municipal, nos moldes do artigo 156, inciso
III, da Constituição Federal.
Para reiterar o raciocínio jurídico acima exposto,
não se afigura despiciendo transcrever prestigioso escólio haurido da obra
“Manual de Direito Tributário” do Insigne Tributarista Sacha Calmon Navarro
Coêlho, quando o referido Mestre aborda o papel controlador da base de cálculo
dos tributos, a partir do cotejo do artigo 145, § 2°, da Constituição Federal:
“A taxa, qualquer taxa, não pode ter base de
cálculo de imposto enquanto espécie. Qual a ratio da norma? Sem mais, a
onipresente realidade da teoria dos fatos geradores vinculados e não-vinculados
a uma atuação estatal a permear o Sistema Tributário da Constituição. A regra
vigia a repartição das competências tributárias”.
“Sendo a taxa um tributo cujas hipóteses de
incidência (fatos geradores) configuram atuações do Estado relativamente à
pessoa do obrigado, a sua base de cálculo somente pode mensurar tais atuações.
Entre a base de cálculo e o fato gerador dos tributos existe uma relação de
inerência quase carnal (inhaerest et ossa), uma relação de pertinência, de
harmonia. Do contrário, estaria instalada a confusão e o arbítrio com a
prevalência do nomem juris, i.e., da simples denominação formal sobre a
ontologia jurídica e conceitual dos tributos, base científica do Direito
Tributário. Uma taxa de fiscalização do arroz para prover, desde a sua
comercialização, a sanidade do cereal em prol dos consumidores (serviço do
poder de polícia) que tiver por base de cálculo o valor de mercado do arroz
fiscalizado e não o trabalho fiscalizatório, ainda que estimado, será um
imposto sobre a circulação de mercadorias, no caso o arroz, desimportante até
que esta mercadoria seja imune ou isenta”.
“Eis aí a grande serventia da base de cálculo como
dado ou elemento veriativo, além de suas funções puramente quantitativas
(cálculo do valor a pagar) e valorativa (elemento auxiliar para a fixação da
capacidade contributiva pela valoração do fato gerador em função do
contribuinte)”[1].
De modo idêntico, também preleciona o Professor dos
Cursos de Especialização em Direito Tributário da PUC/SP, Dr. Aires F. Barreto,
também especialista em Direito Administrativo e em Direito Municipal pela
Universidade de São Paulo, ao comentar a vedação contida no artigo 145, § 2°,
da Constituição Federal:
“O § 2° do art. 145 do Excelso Estatuto veda se
tomem como base de cálculo das taxas aquelas próprias de impostos” Preceito
similar figurava na Carta de 69. A redação constante na Constituição de 1988,
no entanto, é visivelmente mais clara. Deveras, como o texto anterior vedava
‘tomar como base de cálculo a que tenha servido para incidência dos impostos’,
estariam forradas à proibição as taxas cujas bases de cálculo, embora próprias de
impostos, não tivessem, concretamente, servido para incidência de um deles. O
texto da Constituição de 1988 evita essa interpretação. Basta, para ser
inválida, por afronta ao § 2° do art. 145, a taxa que (em tese) tenha base
própria de impostos.
“Rigorosamente, essa possibilidade não poderia
ocorrer. É que, como veremos mais adiante, a única base de cálculo compatível
com as taxas é o custo da atividade estatal. Se não for esta a eleita, então
ter-se-á criado um tributo qualquer, que, taxa não será. De toda sorte, tem-se,
ao menos, preceito didático, que evita o cometimento de abusos consoante o
denunciado por Ives Gandra Martins: ‘A vedação do § 2° objetivou eliminar, de
vez, a possibilidade de se retornar ao antigo e condenável recurso de o poder
tributante instituir taxas que constituíam autênticos impostos”[2].
Para que se tenha, então, uma singela idéia, o
Código Tributário Municipal do Município de Armação dos Búzios prevê em seu
artigo 81, que a base de cálculo da prestação de serviços por pessoa jurídica é
o preço do serviço, assim vejamos literalidade de tal disposição:
Seção X
Da Base de Cálculo da Prestação de Serviços
Sobre a Forma de Pessoa Jurídica ou equiparada à
Pessoa Jurídica
Art. 81. A base de cálculo do imposto é o preço do
serviço.
Daí resta perscrutar se o questionado parágrafo
único do artigo 310, do Código Tributário Municipal do Município de Armação dos
Búzios (Lei Complementar Municipal n° 22, de 09 de outubro de 2009), a par da
ofensa já detectada ao artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal (tributo
como efeito de confisco), pode o mesmo ser reputado também inconstitucional em
razão de ofensa ao § 2° do artigo 145, da Constituição Federal, que veda que as
taxas tenham a mesma base de cálculo própria de impostos. A priori, haveria sim
ofensa, ocorre que, nesta senda, esbarra-se no novel entendimento do Pretório
Excelso consubstanciado na Súmula Vinculante n° 29, aprovada na sessão de
03/02/2009, no sentido de ser constitucional a adoção, no cálculo do valor da
taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado
imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base de cálculo e
outra.
Desta maneira, com uma análise mais acurada neste
Juízo de Certeza, ao contrário da mera análise perfunctória que fora feita para
a concessão da medida liminar, quando se reputou haver identidade plena entre a
base de cálculo da taxa marítima e a base de cálculo do Imposto sobre Serviços,
até por falta naquela oportunidade do cotejo de todo o conjunto da legislação
tributária municipal, verifica-se, de fato e de direito, por ora: inexistir
identidade plena entre as bases de cálculo dos tributos em estudo, razão pela
qual o dispositivo questionado (parágrafo único, do artigo 310 do Código
Tributário Municipal) não pode ser reputado inconstitucional por ofensa à norma
constitucional do § 2° do artigo 145, da Constituição Federal, sob a pena de
ofensa a uma decisão judicial da mais Alta Corte, que detém eficácia erga omnes
para todas as demais instâncias do Poder Judiciário.
É preciso, porém, muita cautela na interpretação da
súmula vinculante acima exposta. Aliás, ela é tão genérica, e ampla, que sua edição,
permissa venia, pode até se demonstrar inadequada, pois, existem incontáveis
situações que poderão se subsumir ao que nela se acha disposto, e outras
tantas, bastante semelhantes, que não ensejarão a sua incidência. Uma súmula
vinculante, contudo, deve ser editada em relação a teses pertinentes a
situações concretas específicas e repetitivas. Não para tratar de um assunto
com tamanha generalidade e abrangência, mormente em períodos de cada vez mais
crescente de expansão da carga tributária, em virtude da falta de controle
entre receitas e despesas públicas que é verificável em relação à quase
totalidade de nossos entes federativos com competência tributária. Em especial
quando a carga tributária já suportada por pessoas naturais e jurídicas em nosso
país é extremamente elevada, enquanto diametralmente os serviços públicos
oferecidos à população por quaisquer dos entes federativos são extremamente
precários, ou seja, cobra-se uma carga tributária próxima a de um país
escandinavo e prestam-se serviços públicos próprios de países de terceiro
mundo, como infelizmente a de alguns países africanos.
No entanto, na verdade, nem sempre uma taxa poderá
adotar “um ou mais elementos” da base de cálculo de um imposto, sendo válida
somente por conta da ausência de “integral identidade”. Seria absurdo dar
tamanho elastério à súmula, bastando para demonstrá-lo, como exemplo, imaginar
que o imposto de renda tem, como um dos elementos de sua base de cálculo, a
receita. Mas não é por isso que alguém poderá defender, razoavelmente, que uma
“taxa sobre a receita” seja constitucional apenas porque não há “total
identidade” com a base imponível do imposto de renda. A aludida súmula deve ser
entendida, nesse contexto, como a indicar que não necessariamente a adoção de
um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, no
cálculo do valor de uma taxa, conduzirá à sua inconstitucionalidade.
Todavia, a par da indubitável inconstitucionalidade
da norma municipal acima citada por ofensa ao princípio da não utilização de
tributo como efeito de confisco, muito embora seja de bom alvitre não se
esbarrar na vedação da Súmula Vinculante n° 29, do Supremo Tribunal Federal, a
questão da vergastada taxa marítima deter um dos elementos da base de cálculo
própria do Imposto Municipal Sobre Serviço de Qualquer Natureza, acaba esta por
indiciar uma ofensa a outro princípio constitucional implícito, que é
limitativo ao poder de tributar, a saber, a ofensa ao non bis in idem, eis que
calculada com base no número total de passageiros que cada embarcação pode
transportar, em especial com incidência de unidade fiscal sobre tal grandeza
matemática que se apresenta com extrema demasia, enquanto o aludido imposto
municipal é calculado sobre o preço do serviço de transporte marítimo pago por
cada passageiro embarcado.
Relembra-se, como já explicitado acima, se a taxa,
tributo vinculado, que deve guardar relação com o custo do serviço público ou
com o custo da atividade fiscalizadora do ente tributante pelo exercício do
poder de polícia, não detiver relação de proporcionalidade com a atividade
estatal vinculada à sua instituição, estaremos diante da instituição de um
verdadeiro imposto, e não de um tributo vinculado, como preleciona o Eminente
Tributarista Luiz Emygdio F. Rosa Jr. Ademais, poderemos estar ainda diante de
um tributo supostamente vinculado, como no do exemplo do caso em tela, que
detém, de fato, efeito de verdadeiro confisco. Por outro lado, como leciona o
tributarista Sasha Calmon, outro indicativo da possibilidade de estarmos diante
de um verdadeiro imposto é a constatação de identidade entre a base de cálculo
da taxa e a de um imposto, mesmo que tal identidade se dê apenas em relação a
um de seus elementos.
Assim, consoante escólio do Mestre Sasha Calmon,
existe entre a base de cálculo e o fato gerador dos tributos uma relação quase
umbilical. Daí que, abstraída a simples denominação formal do tributo, se
perscrutada em relação a uma taxa de polícia, como a exemplo da exação em tela
questionada, a sua real ontologia jurídica a partir do exame de sua própria
base de cálculo, e nesses termos ontológicos for inferido que há identidade
entre um dos elementos relevantes da base de cálculo do tributo vinculado e a
base de cálculo de um imposto, estaremos, então, diante da hipótese de
instituição de verdadeiro imposto, havendo, por via de consequência, identidade
ou quase identidade também entre os fatos jurígenos desses dois tributos em
comparação, sendo certo que nenhum deles se tratará, na realidade, de tributo
vinculado, mas ambos se consubstanciaram em tributos não vinculados. Havendo,
portanto, identidade, ou quase identidade, entre bases de cálculos entre
tributos vinculados e não vinculados, por via de consequência, há identidade,
ou quase identidade, entre os fatos geradores de ambos os tributos em
comparação, reputando-se ambos com a natureza de verdadeiros impostos, seja em
razão da invasão da esfera de competência para instituição de imposto de outro
ente da federação, seja pela hipótese de dupla tributação, a saber, a previsão
de dois tributos com fatos geradores idênticos ou muito similares pelo mesmo
ente federativo, o que configura hipótese de bis in idem.
No caso da taxa marítima instituída pelo Município
de Armação dos Búzios, a sua base de cálculo detém similaridade com a base de
cálculo do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza, que é calculado sobre o
preço do serviço, que também é de competência de instituição municipal, embora
àquela exação supostamente vinculada ao custo de atividade estatal, detenha
período de lançamento e de previsão de pagamento anual, enquanto o ISSQN pode
ser recolhido mensalmente (lançamento por homologação), ou pode até ser
recolhido anualmente também, a partir de um valor fixo atribuído a cada
atividade.
Assim, há par da ofensa detectada ao artigo 145, §
2°, da Constituição Federal, que detém papel controlador da base de cálculo dos
tributos, não só para garantia da integralidade do sistema de repartição das
competências tributárias instituído pela Cara Magna, mas também para obstar a
criação de pseudotaxas consubstanciadas em verdadeiros impostos, cuida-se a
hipótese presente também de dupla tributação, pois se há não como se reputar o
parágrafo único do artigo 310 do Código Tributário Municipal inconstitucional
por ofensa ao suso dispositivo constitucional em virtude da limitação ao
controle difuso de constitucionalidade de leis haurida da obtusa súmula
vinculante, ao menos, pode se detectar a sua inconstitucionalidade pela ofensa
ao princípio constitucional implícito, limitador do poder de tributar, do non
bis in idem. Sendo certo, como já acima reputa em relação à norma do artigo
150, inciso IV, da Constituição Federal, que a vergastada exação apresenta
inequívoca inconstitucionalidade.
Destarte, como existe entre a base de cálculo e o
fato gerador dos tributos uma estreitíssima relação, vislumbra-se por
pertinência lógica haver estreita similitude também entre os fatos jurígenos da
questionada taxa marítima e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza,
ambos de competência de instituição municipal.
Nota-se, à evidência, ser a vexata quaestio do
controle da base de cálculo dos tributos, ostentada na norma do artigo 145, §
2°, da Constituição Federal, tema propedêutico da própria análise de ofensa, ou
não ofensa, do princípio constitucional implícito, limitador do poder de
tributar, do non bis in idem. Assim, se delimitada a análise da
constitucionalidade da questionada exação, a priori, pela existência da Súmula
Vinculante n° 29 do Supremo Tribunal Federal, quanto ao exame de ofensa à
constitucionalidade da norma em comento pela verificação de ocorrência de dupla
tributação, quanto a tal exame inexiste qualquer óbice.
A Constituição não prevê expressamente o princípio
limitador do poder de tributar do non bis in idem. A doutrina costuma negá-lo
ou ignorá-lo. Mas os Tribunais, contudo, tiveram a sapiência de reconhecê-lo
como um princípio implícito do nosso sistema tributário e dele, vir a extrair
consequências de vulto para a tutela dos direitos dos contribuintes,
formando-se salutar jurisprudência sobre o tema.
Assim, o princípio do non bis in idem em matéria
tributária.
Por bis in idem, geralmente se entende a dupla
tributação, por um mesmo ente federativo, de um determinado fato, seja mediante
adicionais previstos de forma atécnica, seja por meio de tributos distintos.
Daí diferenciá-lo da hipótese de bitributação, caracterizada pela instituição
de tributos idênticos por entes federativos tributantes diversos.
Sem embargo, é válido conceber o conceito jurídico
do bis in idem em sentido latu, de dupla ou múltipla tributação de determinado
fato ou de uma mesma manifestação de capacidade contributiva. Neste sentido,
ele abrange as hipóteses de bitributação e também outras, como as de tributação
sucessiva no tempo. Já no âmbito do Direito Sancionador, onde é reconhecido
como um princípio fundamental há muito tempo, pode ser compreendido como a
proibição de dupla penalização de uma mesma conduta ilícita ou de dupla
valoração de circunstância gravosa na fixação da sanção.
De igual modo, se o tributo é toda prestação
pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não
constitua sanção de ato ilícito, instituída por lei e cobrada mediante
atividade administrativa plenamente vinculada, a natureza jurídica do mesmo
determinada pelo fato gerador de sua obrigação deve deter não só
especificidade, como singularidade, caso contrário estaremos diante de uma
situação de bis in idem.
Com efeito, da matéria propedêutica do artigo 145,
§ 2°, da Constituição Federal, transcende-se para a constatação in casu de
ofensa ao princípio constitucional implícito da limitação do poder de tributar
do non bis in idem pelo parágrafo único e seu anexo, do artigo 310 do Código
Tributário Municipal, na modalidade vedada de dupla tributação pelo mesmo ente
federativo, vez que além de existir similitude entre as bases de cálculos da
questionada taxa marítima e o Imposto Municipal sobre Serviços, também existe
similitude consequente entre os seus fatos jurígenos, que são as situações
definidas em leis tributárias como necessárias e suficientes às ocorrências das
obrigações tributárias principais.
Em resumo, como o Juízo depreende pelo controle
difuso de constitucionalidade ora exercido incidenter tantum, a saber, como
causa prejudicial e logicamente antecedente do pedido de desconstituição de
débito fiscal, que é inconstitucional a norma do parágrafo único e seu
respectivo anexo, do artigo 310 do Código Tributário Municipal, outra decisão
não resta senão a de entrega da tutela desconstitutiva do débito fiscal,
incluindo nesta desconstituição o lançamento tributário ex officio da taxa
marítima e de, porventura, qualquer inscrição deste débito relativo à parte
autora em Dívida Ativa do Município. Com efeito, a inconstitucionalidade desta
denominada taxa marítima advém de duas razões cruciais: a uma, estabelecer tal
exação valor extremante demasiado, praticamente obstativo da atividade
empresarial da autora, vulnerando assim a vedação contida no artigo 150, inciso
IV, da Constituição Federal, mormente porque o valor demasiado desta taxa
sequer ainda guarda qualquer relação de razoabilidade e de proporcionalidade
com o custo da atividade fiscalizatória exercida pela municipalidade, haurida
do poder de polícia; a duas, por haver constatação de ofensa ao princípio
constitucional implícito da limitação do poder de tributar do non bis in idem,
na modalidade vedada de dupla tributação pelo mesmo ente federativo, eis que
além existir de similitude entre as bases de cálculos da questionada taxa
marítima e o Imposto Municipal sobre Serviços de Qualquer Natureza, existe de
modo consequente, também similitude entre os seus fatos jurígenos, que são as
situações definidas em leis tributárias como necessárias e suficientes às
ocorrências das obrigações tributárias principais.
Quanto a eventual existência de bis in idem entre a
vergastada taxa marítima e a taxa cobrada para licença e fiscalização para
funcionamento de estabelecimento comercial, não há qualquer identidade entre os
fatos jurígenos destas duas exações, pois a primeira se dá em virtude da
fiscalização da segurança de embarcações, enquanto esta última se dá pela
fiscalização da adequação dos estabelecimentos às normas de posturas edilícias
e às relativas à ordem pública em geral.
Já em relação aos artigos 306 e caput do 310, ambos
do Código Tributário Municipal, o Juízo não vislumbra qualquer
inconstitucionalidade, pois como já explicitado acima se dessume que a
municipalidade possa de modo concorrente também fiscalizar a segurança de
embarcações turísticas que realizam passeios turísticos nas costas deste cabo,
a partir de cais e atracadouros existentes na orla desta cidade, sendo assunto
este de interesse local pela peculiaridade da principal atividade econômica
deste município ser de fato a atividade turística.
Todavia, em que pese inexistir controle concentrado
de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal, mas apenas o
difuso, cabível também neste aspecto a interpretação conforme a Constituição
com redução de texto, reputando-se a inconstitucionalidade de determinada
expressão, permitindo a partir de sua exclusão, uma interpretação compatível
com a Constituição Federal. Todavia, no caso em comento, embora em relação aos
artigos 306 e caput do 310, do Código Tributário Municipal, não se vislumbre
qualquer inconstitucionalidade, sendo certo que o caput do referido 310 já
estabeleça de bom alvitre que a base de cálculo da taxa marítima será
determinada em função do custo da respectiva atividade pública específica,
devendo ser expungido no entendimento deste Juízo o seu parágrafo único, de
fato, inexiste parâmetro de cálculo matemático para a sua cobrança, razão pela
qual seria de bom alvitre que a Câmara Municipal de Armação dos Búzios editasse
projeto de lei para alteração do parágrafo único e respectivo anexo do artigo
310, do Código Tributário Municipal, a fim de que o adequasse à Lei Maior, para
estabelecer uma base de cálculo, de fato, com fundamento proporcional com o
custo da atividade.
Assim, sem tal alteração legislativa, inviável se
afigura a cobrança da aludida taxa marítima".