Morte de farda, Foto de Geiler Tod |
O
principal representante do lumpesinato nas esferas do
poder é o próprio presidente da República. Expulso do Exército
por indisciplina, Jair Bolsonaro
buscou a carreira parlamentar como meio de vida. Em 28 anos de
Congresso, teve atuação apagada e agregou-se ao chamado baixo
clero da instituição.
Bolsonaro
nunca representou um setor social específico, mas surfou em ondas de
insatisfação difusas do eleitorado pobre do Rio de Janeiro e no
corporativismo da massa militar. Seu mentor, Olavo
de Carvalho, sujeito sem ocupação definida, é um
lúmpen da intelectualidade, misto de astrólogo e guru
de vasta legião conservadora. Damares
fez sua carreira nas igrejas pentecostais e não se sabe de seus
vínculos claros com o mundo formal do trabalho. O mesmo se dá com
outro ativista pentecostal, Marcelo
Álvaro Antônio, chefe da pasta do Turismo. Vélez
Rodríguez, por sua vez, é um obscuro professor
universitário, sem publicações relevantes e desconhecido em seu
meio. Araújo expressa uma
ínfima minoria no Itamaraty.
O
próprio ministro da Economia, Paulo
Guedes, é um economista marginal, tanto
na academia quanto no mercado. Pérsio Arida, um dos criadores do
plano Cruzado (1986) e ex-presidente do BNDES e do Banco Central no
governo FHC, tem opiniões arrasadoras sobre ele. Em setembro de
2018, Arida declarou ao jornal O Estado de S. Paulo que “Paulo
Guedes é um mitômano (…). Nunca escreveu um artigo acadêmico de
relevo e tornou-se um pregador liberal. (…) Ele nunca dedicou um
minuto à vida pública, não tem noção das dificuldades. Partiu
para uma campanha de difamação que é de um grau de incivilidade
que não se vê em outro assessor econômico”. Envolvido em
acusações de fraudes em fundos de pensão, Guedes pode ser
classificado sem erro como um lumpenfinancista.
Entre
os militares, o astronauta Marcos Pontes
foi para a reserva após seu voo orbital em 2006. Tornou-se
palestrante de autoajuda, vendedor de travesseiros e guia turístico
na Flórida. Ou seja, passou a viver de expedientes que não deram
muito certo até ser recolhido por Bolsonaro.
O
PSL, partido do
presidente, por sua vez, é quase todo composto por aquilo que Marx
classificou como lumpesinato no Dezoito brumário:
“Rufiões decadentes, com meios de subsistência duvidosos (…),
rebentos arruinados e aventurescos da burguesia (…) vagabundos,
soldados exonerados (…), trapaceiros, (…) donos de bordel, (…)
em suma, toda essa massa indefinida, desestruturada e jogada de um
lado para outro, que os franceses denominam la bohème [a boemia]”.
Qual
o problema de um governo ser dirigido pelo lumpesinato de diversas
classes?
O
lumpesinato, por característica inata, é avesso a
qualquer projeto coletivo de longo prazo. Não é classe, não é
coletivo, não forma grupos. Não há previsibilidade ou rotina
possível em um conjunto de indivíduos para os quais vigoram as
saídas individuais e a disputa de cada um contra todos.
Pode-se
afirmar que o lumpesinato vive no Estado de Natureza
conceituado por Thomas Hobbes, em Leviatã (1651). Trata-se de uma
situação anterior à criação do Estado, sem regras ou normas, em
que “todo homem é inimigo de todo homem”.
Nas
palavras de Hobbes: “Numa tal situação não há lugar para a
indústria, pois seu fruto é incerto; consequentemente não há
cultivo da terra, nem navegação, nem uso das mercadorias que podem
ser importadas pelo mar; não há construções confortáveis, nem
instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande
força; não há conhecimento da face da Terra, nem cômputo do
tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o que é pior do
que tudo, um constante temor e perigo de morte violenta. E a vida do
homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”.
Não
há descrição mais apropriada para um mundo traçado por Jair
Bolsonaro em discurso proferido para uma plateia de extrema direita
em Washington, em março último: “O Brasil não é um terreno
aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós
temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer
muita coisa”.
Não
se trata de deslize de um improviso mal feito. Hamilton
Mourão já havia declarado ao jornal Valor Econômico
em fins de 2018 que o governo faria “um desmanche do Estado”.
São
frases-síntese de um governo lúmpen que se move por
pequenos e grandes negócios de ocasião. Em geral, eles se dão por
fora da política institucional e de suas regras e, não raro,
apelando para situações de força. Uma administração de todos
contra todos.
*Gilberto
Maringoni e Artur Araujo
Especial
da edição digital de Le Monde Diplomatique Brasil
10 de Abril de 2019
Fonte:"Le Monde Diplomatique"
Depois de muita besteira escrita pela esquerda lulo-petista enfim uma excelente análise do governo Bolsonaro.