108ª Conferência Internacional da OIT |
OIT
inclui Brasil na lista de países suspeitos de violar direitos
trabalhistas
Representantes
de empregadores e trabalhadores, reunidos na 108ª Conferência
Internacional do Trabalho da Organização
Internacional do Trabalho (OIT),
em Genebra (Suíça), definiram na terça-feira passada (11/06/2019)
a chamada “lista curta”, uma espécie de lista negra que elenca
países denunciados por violar normas internacionais do trabalho.
Constam
da lista 24 países denunciados por violação das normas
internacionais do trabalho.
Além
do Brasil, integram a lista Turquia, Etiópia, Iraque, Líbia,
Myanmar, Nicarágua, Tajiquistão, Uruguai, Iêmen, Zimbábue,
Argélia, Bielorrúsia, Bolívia, Cabo Verde, Egito, El
Salvador, Fiji, Honduras, Índia, Cazaquistão, Laos, Filipinas e
Sérvia.
Esses
países são alvos de 24 denúncias consideradas as mais graves de
uma primeira seleção feita pelos representantes de entidades
patronais e de trabalhadores – a lista longa.
É
um grupo que contém 40 casos previamente selecionados dentre as
centenas que a OIT recebe anualmente. Uma vez incluídos na lista
curta, os países serão analisadas pela Comissão
de Aplicação de Normas do Trabalho da OIT,
durante a conferência. Responsável pela supervisão da aplicação
dos tratados pelos países-membros, a comissão deve discutir, no
sábado (15), o caso brasileiro. Representantes
do governo prestarão informações
.
O
Brasil entrou na chamada "lista suja" da OIT por causa da
Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) aprovada em 2017, que segundo a
organização viola as as convenções internacionais do trabalho,
especificamente as convenções 98 e 144.
Aprovada
pela OIT em 1949 e ratificada pelo Brasil em 1952, durante o governo
de Getúlio Vargas, a Convenção 98 estabelece regras de proteção
aos direitos de trabalhadores, como a filiação sindical e a
participação em negociações coletivas.
Este
é o segundo ano consecutivo que o Brasil figura na lista por
descumprimento da Convenção 98. Em 2018, após análise, a
organização não apontou violações.
Em
entrevista à Agência do Rádio Mais, na época, o ministro
aposentado do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Almir Pazzianotto
criticou a atuação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) –
que entrou com representação na OIT contra o texto da reforma
trabalhista, em 2017.
Pazzianotto
afirmou que recorrer à organização “não vai trazer qualquer
mudança legal” na leis trabalhistas. “Eu lhe pergunto: quantas
vezes a OIT interferiu no Brasil e, com isso, conseguiu revogar
alguma legislação? Nunca! O que a CUT deveria lembrar é que um dos
principais documentos da OIT, que é a convenção
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– sobre a liberdade de
organização sindical,
não foi ratificada pelo governo brasileiro e foi
esquecida pelo PT
durante todos os anos de governo. Simplesmente ignorou. Então, há
uma mexida na área sindical, principalmente com relação à
contribuição obrigatória,
mas isso é assunto interno do Brasil. Não é assunto para ser
levado à ONU ou à OIT”, questionou ("agenciadoradio").
Pazzianotto
disse ainda que, se houver violação de algum preceito
constitucional por qualquer parte de alguns dos dispositivos da
reforma Trabalhista, "esse problema deve ser levado ao Supremo
Tribunal Federal". E completou: "o próprio
Tribunal Superior do Trabalho (TST) vai examinar se há
algum conflito intertemporal, se alguma lei nova se indispõe com
alguma lei antiga, se há choque de princípios”.
Entretanto,
especialistas e entidades que representam a classe trabalhadora
avaliam como correta a investigação da OIT no Brasil.
“Contrariando
as alegações do governo, a Reforma Trabalhista ofendeu a Convenção
98 e 144 da OIT na medida em que autoriza a negociação
direta entre empregadores e empregados,
o que é um absurdo dentro da realidade da prestação de serviços
não só no nosso país, mas no mundo em geral. É incontestável que
os trabalhadores estão numa situação de hipossuficiência,
subordinação e precisam trabalhar para sobreviver. É um absurdo
pensar que uma negociação
direta viabilizará melhores empregos”,
afirma a advogada especialista em Direito Previdenciário, Dirce
Namie Kosugi ("cliquediario").
A
advogada é taxativa ao afirmar que a sociedade não participou do
processo.
“A
sociedade não teve efetiva participação na construção final
dessa reforma. Ela foi feita às pressas
e gerou um retrocesso
em relação aos direitos trabalhistas
e à realidade social de uma grandeza imensa. Nós estamos sendo
levados ao início da
Era Industrial,
aquela situação em que o trabalhador se subordina a qualquer
imposição do empregador para que ele tenha o mínimo para se
sustentar. E na maioria das vezes, nem tendo o mínimo para se
sustentar”, comenta.
Na
avaliação de Dirce, a Lei 13.467/17 “representa um dos maiores
retrocessos em relação aos direitos fundamentais que garantem a
dignidade da pessoa humana. Praticamente legalizou
a escravidão no Brasil,
ao permitir a livre negociação entre empregadores e empregados,
motiva a precariedade e subordinação sem limites mínimos de
adequadas condições de trabalho”.
Antonio
Carlos Fernandes Jr., presidente da Confederação Nacional das
Carreiras e Atividades Típicas de Estado (Conacate), reforça o
argumento da OIT de que não houve ampla negociação do governo com
a sociedade civil no processo de finalização do texto da reforma.
“O
governo fechou acordo com alguns setores do sindicalismo (Centrais) e
enviou ao Congresso o projeto da reforma com 7 artigos. No Congresso,
pilotado por representantes dos mercados, Rodrigo Maia e o relator
Rogério Marinho fizeram as duas audiências públicas e as duas
sessões de votação, tanto na Câmara como no Senado, em apenas 26
dias, eles desprezaram completamente as emendas que não lhes
interessavam e aprovaram
a reforma
com 114 artigos. De 7
para 114 em apenas 26 dias, detonando as redes de proteção social
dos trabalhadores”, afirma.
O
presidente da Conacate afirma, ainda, que, em reunião com o
Secretário Geral da OIT, informou a entidade sobre a falta de
participação da sociedade na redação da reforma aprovada.
“O
secretário da OIT nos informou, durante uma audiência com as
entidades em Genebra, que o então ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles, disse que haviam sido seguidos todos os trâmites e ouvida
a sociedade e, quando contamos a ele a verdade, ele se espantou e fez
constar no Relatório da OIT a denúncia que levamos”, completa.
Para
Noemia Porto, presidente da Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra),
a inclusão do país entre os que violam leis internacionais expõe
falta de dignidade
trabalhista.
Para
a magistrada, a permanência do Brasil nessa espécie de lista negra
da OIT é um reflexo da reforma
trabalhista implementada
pelo governo Michel Temer (MDB). Segundo ela, já em 2018 a Anamatra
enviou à OIT vários documentos que atestavam o impacto negativo da
nova legislação trabalhista, com informações levantadas durante o
XIX Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho –
Conamat ("metropoles").
Em
novembro do ano passado, a associação repassou a peritos da OIT um
relatório com dados sobre o primeiro ano de vigência da reforma
trabalhista. Tais dados se somaram às informações do Conamat e
originaram uma nova Nota Técnica da instituição, que foi enviada
à 108ª
Conferência Internacional da OIT.
Já
para Paulo Sérgio João, especialista em Direito do Trabalho da
PUC-SP e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a valorização
da negociação coletiva não infringe direitos trabalhistas
descritos no artigo 7º
da Constituição Federal e,
por isso, também não
quebra nenhum acordo internacional.
“Não
me ocorre, pela notícia que aparece, nenhum fato concreto,
especificamente, de que o Brasil esteja incentivando o descumprimento
de obrigações trabalhistas. E, também, não vejo contrariedade às
próprias normas das convenções da OIT”, avalia João.
O
titular da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do
Ministério da Economia, Rogério Marinho, afirmou, em rede social,
que a decisão de incluir o Brasil na lista “não
tem fundamento legal e nem técnico”.
Para
Marinho, não foi apresentada prova de redução de direitos ou
violação à Convenção 98. E completou: “Está clara a
politização do processo de escolha. É lamentável alguns
sindicatos trabalharem contra o Brasil”.
João
concorda com Marinho, ao apontar uma motivação política na
inclusão do país na lista da OIT. Para ele, a atitude dos
sindicatos é uma espécie de “protesto” pelo fim da
contribuição sindical obrigatória. “Tenho a impressão
de que há uma politização muito grande nessas denúncias. Há uma
preocupação sindical de preservação do monopólio da
contribuição sindical obrigatória”, ressalta.
Especialista
em Direito do Trabalho, Luiz Carlos Robortella, discorda que a a
aprovação da reforma trabalhista foi realizada sem discussões
com a sociedade, sem transparência.
“Esses
temas da reforma Trabalhista são discutidos há mais de 40 anos.
Debates profundos, escreveram rios de tinta, milhares de páginas
sobre esse assunto, milhares de congressos discutiram isso”.
Robortella
suspeita que os sindicatos estão “usando” a OIT para criar uma
crise política. “É claro que os sindicatos vão à OIT e, depois,
se beneficiam do fato, de uma certa afinidade ideológica de alguns
membros da OIT, para dar uma repercussão política, uma dimensão
muito maior do que o fato tem”, completou.
Em
nota conjunta, as confederações empresariais (CNC, CNA,CNI, CNT,
CNSaúde, CNseg e CONSIF) reforçaram que a nova
legislação trabalhista modernizou as relações de trabalho e está
alinhada à Convenção 98,
ao estimular trabalhadores e empregados ao diálogo, concretizado por
meio da valorização
da negociação coletiva.
Para
as entidades, a nova lei do trabalho trouxe balizas para negociação
e é “clara” ao proibir que os direitos dos trabalhadores
previstos na Constituição – como FGTS, INSS, 13º salário,
licença maternidade, normas de saúde e segurança, 30 dias de
férias, adicional noturno, hora extra, salário mínimo – sejam
“reduzidos ou suprimidos”.
Uma
das entidades de empregadores presentes na Conferência Internacional
do Trabalho, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou
nota reafirmando que as novas regras trabalhistas brasileiras não
violam tratados internacionais.
"Há
um ano, a OIT analisou nossa legislação sob as mesmas premissas e
não
apontou qualquer violação da Convenção 98.
Não há embasamento técnico, jurídico ou caso concreto que
justifiquem que o Brasil seja objeto de novo exame”, afirma, na
nota, o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI e
vice-presidente para a América Latina da Organização Internacional
dos Empregadores (OIE), Alexandre Furlan ("oglobo").
Secretário
de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores
(CUT), Antônio de Lisboa Amâncio Vale está em Genebra,
participando da Conferência Internacional do Trabalho. Para ele, a
inclusão da denúncia contra o Brasil na lista é uma vitória para
a classe trabalhadora do país, dando a chance de as entidades
sindicais provarem que a Reforma
Trabalhista contraria normas internacionais.
“De antemão, queremos dizer que a inclusão do Brasil pelo segundo
ano consecutivo é a prova de que a Reforma Trabalhista aprovada com
o argumento de que geraria empregos e fortaleceria a negociação
coletiva resultou no contrário”, pontuou Lisboa.
A
delegação brasileira em Genebra conta com representantes da
Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia e do Itamaraty; das
centrais sindicais e de confederações de empregadores. A comitiva
governamental é chefiada pelo secretário de Trabalho,
Bruno Dalcolmo. A empresarial é coordenada pela Confederação
Nacional do Sistema Financeiro (CNF), e a dos sindicatos de
trabalhadores, pela Força Sindical.