O caso da ilha do Urubu
No final de seu governo (20/11/2006), depois de ter perdido a
eleição, o governador da Bahia, Paulo Souto, resolve doar a Ilha do Urubu- uma das áreas
mais valorizadas do litoral do Atlântico- à família Martins, uma família de
pequenos comerciantes e pescadores. Quatro meses depois, a família a vende, por
1milhão de reais, ao empresário Gregório Marin Preciado (GMP) que, por sua vez,
um ano depois, a revende ao nosso personagem, um "especulador belga" chamado Phillipe Meuus, por 12 milhões de reais. Calcula-se que a ilha valha hoje 150
milhões de dólares. Reparem bem, dólares!
A transação, caracterizada pelo jornal Topa Tudo como um caso
clássico de "negociata" (com "evasão de divisas, sonegação fiscal,
lavagem de dinheiro, patrocínio infiel, defraudação de penhor legal, falsificação
de assinaturas", etc), teria sido consumada se não fosse um jovem advogado
de Porto Seguro, Rubens Freiberger (RF), ter entrado, por meio de um colega seu de
Salvador, José César Oliveira (JCO), com uma ação
popular no TJ da Bahia pedindo a anulação do ato de outorga do título de terra
aos posseiros.
Segundo JCO, a doação foi feita de modo irregular porque teria havido "um escamoteamento por
parte do ex-governador para favorecer um correligionário político. Era uma área
disputada acirradamente, nada foi pacífico". O correligionário político do
ex-governador seria GMP- ex-arrecadador de campanha de José Serra, seu sócio e parente
(casado com uma prima de José Serra).
GMP ganhou R$ 5 milhões de reais, ao que se consta, para ‘desistir’
de uma ação judicial na qual disputava acirradamente a posse da Ilha do Urubu
com os beneficiários da dádiva do ex-governador Paulo Souto. A Ação Popular
visa anular essa "transação imoral e, segundo farta documentação, até mesmo
criminosa".
Segundo Amaury Júnior, autor do livro A Privataria Tucana, no
final do processo a Ilha “foi parar em mãos de um certo Phillipe Meuus, um
especulador belga voltado para a
exploração de terras costeiras brasileiras”.
A Procuradoria-Geral Federal, através do seu Procurador Pedro Diniz Gonçalves O'Dwyer, acusa a Bellavista Empreendimentos Imobiliários, empresa de Phillipe Meuus, de ter adquirido a Ilha do Urubu "por meio fraudulento, com provas de falsificação de documentos e interveniência de laranjas e de empresas fantasmas".
Nosso especulador buziano teria gasto 2 milhões de reais com o
advogado Jarbas de Abreu (JA) para defendê-lo na Ação Popular. No início
de 2010, toma um duro golpe, a partir da declaração de nulidade da doação feita
pela Procuradoria Geral do Estado da Bahia. Corre o risco de perder o
investimento todo.
Um outro
complicador para Phillipe Meuus foi a briga interna entre os Martins.
A parte da família não agraciada pela doação de Paulo Souto- que alegava possuir documentação de posse da terra, datada de 1931- entrou em juízo
com uma ação rescisória, em Porto Seguro, contra a outra parte. O pior para Phillipe Meuus foi a permissão, dada por eles, à entrada de 200 índios pataxó na Ilha.
A entrada dos índios Pataxó na briga complicou mais ainda a vida do especulador.
Com faixas com
dizeres como “Nós somos os donos da ilha do Urubu”, um grupo de pataxós,
chefiados pelo cacique Arakati, realizou um protesto no local e fez uma
ocupação simbólica em fevereiro de 2010. Arakati afirma defender os direitos
das índias Iracema e Vandelita Alves Martins, filhas do pataxó Aloísio Martins
que, em 1964, teria recebido 56 hectares da fazenda Rio Verde — ilha do Urubu —
da prefeitura de Porto Seguro.
Se não bastasse a disputa pela posse da terra, em maio de 2010, duas
empresas de propriedade do belga Philippe Ghislain Meeus- as empresas Trancoso
Bio Resort Agropecuária Ltda e a Bella Vista Empreendimentos Imobiliários ME- foram
multadas pelo IBAMA e pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade – ICMBio. A
denúncia foi feita pela Associação Tradições de Trancoso, uma entidade que
promove ações voltadas para a preservação do meio ambiente na região. Os
motivos das multas foram danos à vegetação natural em área de preservação
permanente e sem autorização do órgão responsável. Além disso, consta do
relatório de fiscalização 028/10 do IBAMA, que houve alteração na área de
construção no local onde está sendo construída uma barraca de praia. Segundo os
fiscais, a barraca está “construída sobre área de restinga (acidente geográfico
- sem cobertura vegetal típica), porém margeada por esta e por uma área
alagável onde há um manguezal a uma distância de três metros das edificações”
(Jornal A Tarde). Pelo visto o que o belga faz por aqui, faz também por lá.
O advogado RF autor da Ação Popular faz uma análise do modus operandi do especulador durante o processo judicial:
“A questão da segurança jurídica dos negócios não pode estar sob
ataque desses predadores que ora “molhando mãos”, ora “azeitando peças”, ora
enganando, ora ilaqueando, ora negociando, ora simulando, ora pressionando, ora
querendo subornar, ora ameaçando, ora intimidando, enfim, lançando mão de todos
os recursos da farmacopéia do especulador internacional que, “por qualquer
déreis de mel coado”, imagina-se acima do bem e do mal, acima da moralidade,
acima da rigidez legal dos cartórios, acima da perícia técnica, acima da
Secretaria de Segurança Pública, acima da Polícia Federal, acima do Município
de Porto Seguro e até mesmo acima do Estado da Bahia!”
Para finalizar, vem o golpe maior: a índia pataxó Vandeilta Alves Martins dos Santos de 40 anos
, da comunidade de Imbiriba, em Trancoso, distrito de Porto Seguro, no
extremo sul baiano, ganhou a posse provisória da valorizadíssima e paradisíaca
Ilha do Urubu, dada pelo Tribunal de Justiça da Bahia, segundo liminar
publicada no site do tribunal. À decisão da Justiça cabe recurso. O milionário especulador perde a posse da ilha paradisíaca para uma indiazinha. Só em sonho! Pesadelo para Meuus.