Messias Carvalho, foto TSE |
Autos
n˚ 248-39.2016.6.19.0172
SENTENÇA
Trata-se de Ação
de Impugnação de Registro da candidatura de MESSIAS
CARVALHO DA SILVA
ao cargo de Vereador da Câmara Municipal de Armação dos Búzios
pela coligação “Búzios Não Pode Parar” no pleito municipal de
2016 que foi proposta pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO ELEITORAL,
eis que o pré-candidato detém contra si condenação perante o
Tribunal de Constas do Estado do Rio de Janeiro, no processo n˚
261528-3/03, devido ao fato de na condição de ordenador de despesas
da Câmara Municipal de Armação dos Búzios no exercício de 2010
ter cometido na visão ministerial irregularidades e improbidades
insanáveis.
Incluída também no
pólo passivo da relação jurídico-processual pelo Ministério
Público Eleitoral a coligação partidária pela qual o réu
concorre.
Destarte, o
Ministério Público Eleitoral narra que o pretenso candidato detém
uma condenação na Corte de Constas no processo acima mencionado de
n˚ 261528-3/0, tendo tido suas contas rejeitadas neste feito, pois
consoante aquele decisum,
o demandado, na qualidade de ordenador de despesas da Câmara de
Vereadores Municipal, no exercício de 2010, determinou o pagamento
se subsídios aos Vereadores em desacordo com o parâmetro
estabelecidos no inciso VI, alínea “b”, do artigo 29, da
Constituição Federal.
Ao detalhar o
Ministério Público Eleitoral obtemperou que os Vereadores da Câmara
Municipal de Armação dos Búzios em 2010, perceberam subsídios não
só acima do parâmetro estabelecido no referenciado artigo 29,
inciso VI, alínea “b”, da Constituição Federal (30% do
Subsídio do Deputado Estadual), bem como também acima do valor
fixado pela Resolução Legislativa Municipal n˚ 554, de 17.07.2008,
sendo decidido pela irregularidade das contas do Ordenador de
Despesas da Câmara Municipal de Armação dos Búzios, relativas ao
exercício de 2010, de responsabilidade do impugnado em face do
pagamento efetuado em prol do parâmetros constitucionais e
legalmente estabelecidos.
Assim, aduz o
Parquet
em sua peça vestibular que em razão das irregularidades e
improbidades acima mencionadas, as contas do impugnado MESSIAS
CARVALHO DA SILVA não foram
julgadas irregulares, como respectivo acórdão proferido pela Corte
de Contas determinou a restituição dos valores recebidos a maior
pelos Vereadores à época, em desacordo com os parâmetros
constitucionais e legais estabelecidos. Salientando ainda o autor que
no respectivo processo n˚ 261528-3/0 o Tribunal de Contas do Estado
do Rio de Janeiro decidiu pela APLICAÇÃO
DE MULTA
ao ordenador de despesas da Câmara de Vereadores de Armação dos
Búzios, no caso, o impugnado.
Assim, reputou o
Ministério Público Eleitoral que a hipótese se subsume a causa de
inelegibilidade cominada prevista no artigo 1º, inciso I, alínea
“g”, da Lei Complementar nº 64/90, cuja letra foi acrescida pelo
artigo 2˚ da Lei Complementar n˚ 135/2010, denominada “Lei da
Ficha Limpa”, que foi uma lei de inciativa popular com base nos
requisitos expressos no § 2˚ do artigo 61 da Constituição Federal
visando à efetivação da proteção da moralidade administrativa
para o exercício de mandato eletivo.
O aludido
dispositivo aduz que são inelegíveis “os
que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções
públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ao
doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do
órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada
pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem no 8
(oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão,
aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição
Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de
mandatários que tiverem agido nessa condição”.
Ressalta ainda o
Ministério Público Eleitoral que julgada irregulares as contas do
pré-candidato, sobretudo pela infração do artigo 29, inciso VI,
alínea “b”, da Constituição Federal, evidenciou-se então que
tais irregularidades cometidas pelo impugnado caracterizaram atos
dolosos de improbidade administrativa de caráter insanáveis no
tocante à violação aos princípios da administração pública,
especialmente, da legalidade, da moralidade e da impessoalidade, o
que, obtempera, competir à Justiça Eleitoral decidir para fins de
reconhecimento de inelegibilidade, conforme defende quase à
unanimidade a doutrina eleitoral.
O Impugnado
apresentou defesa à ação de impugnação de registro de
candidatura ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral apresentando
basicamente dois argumentos, a saber: a uma, que o próprio TCE/RJ
reconhece a possibilidade de revisão do subsídio anual através de
revisão geral anual não configura aumento salarial, mas sim mera
composição inflacionária; a duas, que a irregularidade apontada
pela Corte de Constas não se configurou como irregularidade
insanável como requisito exigível para configuração da causa de
inelegibilidade cominada pelo artigo 1º, inciso I, alínea “g”,
da Lei Complementar nº 64/90.
Em prosseguimento,
nos moldes do artigo 5˚, caput,
da Lei Complementar nº 64/90, tratando-se as questões deduzidas
nestas ações de impugnação de registro de candidaturas apenas de
matérias de direito, cabível o julgamento antecipado da lide, com
aplicação subsidiária das disposições do Código de Processo
Civil, consoante precedentes do próprio Colendo TSE, como se
dessume, por exemplo, da ementa abaixo transcrita no julgamento do
Recurso Especial Eleitoral n˚ 22167-GO, em 31/08/2004, cujo Relator
foi o Excelentíssimo Sr. Ministro Luiz Carlos Lopes Madeira:
RECURSO
ELEITORAL - INELEGIBILIDADE - RITO PROCESSUAL IMPUGNAÇÃO.
JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. MATÉRIA DE DIREITO. CERCEAMENTO DA
ACUSAÇÃO. PRODUÇÃO DE PROVA.1. O RITO PROCESSUAL TRAÇADO PARA A
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE REGISTRO DE CANDIDATURA ESTÁ PREVISTO NA
LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90,
COM PREVISÃO NO SEU ARTIGO 5º,
DA POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE, COM APLICAÇÃO
SUBSIDIÁRIA DAS REGRAS CONTIDAS NO ARTIGO 330,
INCISO II DO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL, PERTINENTES À AÇÃO ORDINÁRIA. 2. FORMADO O
CONVECIMENTO DO JULGADOR, PERMITE A LEGISLAÇÃO ADJETIVA E TAMBÉM O
ESPECÍFICO PROCEDIMENTO ELEITORAL, O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.
3. A CONVICÇÃO DO JULGADOR FIRMADA EM PROVA DOCUMENTAL, HÁBIL E
SUFICIENTE À COMPROVAÇÃO QUE SE PRETENDIA. DESCONSTITUIR O
DOCUMENTO, APENAS POSSÍVEL ATRAVÉS DA MEDIDA PRÓPRIA E CABÍVEL.4.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
É o relatório.
Passo a decidir conforme estabelece o artigo 2º, parágrafo único,
inciso III, e artigo 7˚, parágrafo único, ambos dispositivos da
Lei Complementar nº 64/90, que tratam da competência e do
julgamento das ações de impugnação de registro de candidatura com
base na arguição de causa de inelegibilidade.
PRELIMINARES:
A inclusão da
coligação partidária no pólo passivo da relação
jurídico-processual, ainda que haja vasto dissenso doutrinário e
jurisprudencial de que a hipótese não é de litisconsórcio passivo
unitário, sendo a jurisprudência quase remansosa no sentido da
inexistência, tal inclusão apenas facilita o direito de defesa, não
trazendo nenhum prejuízo ao primeiro réu. Vislumbro, portanto,
estarem presentes
as condições de exercício do direito público de ação, bem como
presentes os pressupostos de existência e desenvolvimento válido e
regular do processo instaurado a partir da ação ministerial.
Cabível ainda o
julgamento antecipado da lide, nos moldes do artigo 355, inciso I, do
Código de Processo Civil.
I
– OS ATOS QUE IMPORTAM IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
O
Ministério Público Eleitoral, órgão com legitimidade ativa ad
causam para ajuizar Ação de Impugnação de
Registro de Candidatura de acordo com o artigo 3˚ da
Lei Complementar nº 64/90 argui a inelegibilidade do 1˚ réu
haurida da rejeição de suas contas relativas ao exercício de cargo
eletivo, na qualidade de ordenador de despesas, que no entendimento
ministerial constituiu irregularidade insanável que configura ato
doloso de improbidade administrativa, reconhecida por decisão
irrecorrível do órgão do órgão competente, sem que esta esteja
suspensa ou tivesse sido anulada pelo Poder Judiciário, para as
eleições que se realizarem no 8 (oito) anos seguintes, contados a
partir da data da decisão, configurando assim, a hipótese de
restrição ao direito público político passivo do aludido cidadão
de ser votado no processo político democrático no exercício do Jus
Civitatis.
A
Constituição Federal de 1988 trouxe a previsão no artigo 37,
caput,
dos deveres de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência (este último princípio inserido pela EC n˚ 19/98) para
a atuação da Administração Pública e de seus agentes. Sendo
certo que tais deveres são normatizados no texto constitucional com
a natureza jurídica de princípios, que são preceitos fundantes da
ordem constitucional e reitores dos comportamentos do Poder Público.
Portanto,
o Poder Constituinte Originário determinou inclusive que os agentes
públicos procedam com moralidade. Destarte, por vezes, diante de
tantos atos imorais praticados por parte dos agentes públicos
constata-se que a aludida previsão principiológica não é
despicienda e se faz necessária diante do nível de evolução no
trato da coisa pública no Brasil.
Ressalte-se
que há divergência doutrinária sobre moralidade administrativa e
probidade administrativa serem expressões com sinonímia, mas
prepondera que a probidade possui sentido mais amplo, uma vez que
abarca na Lei n˚ 8.429/92, que trata da improbidade administrativa,
os atos imorais e os atos ilegais. Neste sentido, as precisas lições
da Professora Maria Sylvia Zanella di Pietro:
“Comparando
moralidade e probidade, pode-se afirmar que, como princípios,
significam praticamente a mesma coisa, embora algumas leis façam
referência às duas separadamente, do mesmo modo que há referência
aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como
princípios diversos, quando este último é apenas um aspecto do
primeiro”.
“No
entanto, quando se fala em improbidade como ato ilícito, como
infração sancionada pelo ordenamento jurídico, deixa de haver
sinonímia entre as expressões improbidade e imoralidade, porque
aquela tem um sentido muito mais amplo e muito mais preciso, que
abrange não só atos desonestos ou imorais, mas também e
principalmente atos ilegais. Na lei de improbidade administrativa
(Lei nº 8.429, de 2-6-92), a lesão à moralidade administrativa é
apenas uma das inúmeras hipóteses de atos de improbidade previstos
em lei”1.
No
entanto, há interligação umbilical entre a questão da probidade
administrativa e o princípio da moralidade eleitoral, pois em
diversas hipóteses, uma condenação por ato de improbidade
administrativa pode vir a resultar em uma causa de inelegibilidade
prevista pela legislação infraconstitucional, a exemplo da norma do
artigo
1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90, que
estabelece de acordo com o artigo 14, § 9˚, da Constituição
Federal, casos de inelegibilidade, cuja alínea foi acrescida pelo
artigo 2˚ da Lei Complementar n˚ 135/2010.
Nesta
senda, dispõe o § 9˚, do artigo 14 da Constituição Federal que:
“Lei
Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os
prazos de sua cessação, a
fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o
exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato,
e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do
poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou
emprego na administração direta ou indireta”.
Assim,
muito embora o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral tenha editado
acertadamente a Súmula n˚ 13 no sentido de que não é
autoaplicável o §
9˚ do artigo 14, da Constituição Federal, para fins de exame de
registros de candidaturas com base no princípio da moralidade
eleitoral, sopesando-se a vida pregressa do pretenso candidato, com
escopo de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o
exercício de mandato eletivo, agora, de forma mais profilática,
legem
habemus,
sendo a Lei Complementar n˚ 135/2010, que acresceu outras hipóteses
de inelegibilidades infraconstitucionais à Lei Complementar nº
64/90, com base no princípio da moralidade eleitoral uma aspiração
de toda a sociedade, o que inclusive motivou a iniciativa popular
para aludida produção legislativa, podendo então, hodiernamente,
serem olvidadas candidaturas no processo político democrático para
escolha dos governantes de cidadãos ímprobos. Podendo ser reputados
como ímprobos aqueles que: a) por sentenças condenatórias
confirmadas por órgãos jurisdicionais de 2˚ grau colegiados, por
quanto perdurarem o prazo de suspensão de seus direitos políticos
advindos de práticas de atos de improbidade administrativa então
judicialmente reconhecidos; b) ou por atos que importem na rejeição
de constas dos ordenadores de despesas que possam ser reputados como
atos dolosos de improbidade administrativa que configuraram
irregularidades insanáveis.
Insta
ainda acentuar que a proteção contra a probidade administrativa tem
sede constitucional, pois de acordo com o artigo 37, § 4˚, da
Constituição Federal: “Os
atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos
direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Assim,
a
probidade é mais ampla do que a moralidade administrativa, estando
intimamente ligada ao princípio da moralidade eleitoral em razão da
previsão legal ora analisada de causação de inelegibilidade
infraconstitucional. Deste modo, dá-se maior efetividade ao
princípio democrático, pois a existência do Estado Democrático de
Direito está relacionada com a obrigação constitucional, legal e
moral do gestor público de prestar contas e de dar publicidade
acerca de seus atos de gestão e de governo. Além disso, num Estado
Democrático os cidadãos possuem o direito de participar da tomada
das decisões políticas garantido pelo Estado de Direito ou Estado
Constitucional, numa relação intrínseca entre Direito e Democracia
que resulta no Estado Democrático de Direito.
Trata-se,
portanto, da concepção de democracia como um processo em evolução
fundamentado no desenvolvimento do espírito crítico e da
participação popular (democracia semidireta ou participativa),
prevista na Constituição Federal.
Desta
forma, com a finalidade de resguardar os princípios constitucionais,
proteger a probidade administrativa e o direito de todos à bora
administração foi concebida a Lei n˚ 8.429/92, com entrada em
vigor em 03/06/1992, que revogou as leis anteriores que se limitavam
às hipóteses de enriquecimento ilícito previstas na Lei n˚
3.164/1957 e Lei n˚ 3.502/1958, passando a ser um eficaz mecanismo
de repressão à improbidade administrativa e que classificou os atos
de improbidade em três modalidades distintas: a) atos que importam
enriquecimento ilícito do agente público (artigo 9); b) atos que
causam prejuízo ao erário (artigo 10) e atos que atentam contra os
princípios da administração pública (artigo 11).
II – DOS
REQUISITOS PARA A CONDENAÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA FAZER
INCIDIR A INELEGIBILIDADE:
Após
perscrutada a conceituação da improbidade administrativa, urge
ressaltar que, consoante precedentes do próprio Tribunal Superior
Eleitoral, quanto a restrição ao direito público político
subjetivo passivo nem toda condenação por improbidade
administrativa é capaz de fazer incidi-la (inelegibilidade), mas
somente as condenações que preencham cumulativamente os requisitos
elencados na própria norma do artigo
1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90, cuja
alínea foi acrescida pelo artigo 2˚ da Lei Complementar n˚
135/2010,
que estabelece a inelegibilidade nesta hipótese, a saber: a)
decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado do
Poder Judiciário; b) condenação à suspensão dos direitos
políticos b) condenação em improbidade administrativa na
modalidade dolosa; c) conduta ímproba geradora de lesão ao erário
e/ou enriquecimento ilícito; e) prazo de inelegibilidade não
exaurido.
Assim,
para exemplificar, se o pretenso candidato detém contra si
condenação confirmada em 2˚ grau por órgão colegiado por ato de
improbidade administrativa culposo, que não tenha causado lesão ao
Erário Público ou evidenciado causa de enriquecimento ilícito em
razão do exercício de cargo público, mas tão somente tenha sido
reputada a conduta ímproba como atentatória aos princípios
reitores da Administração Pública, ainda que tenha sido imposta
sanção de suspensão dos direitos políticos com prazo de
inelegibilidade ainda não exaurido, não configurará tal hipótese
a causa de inelegibilidade prevista no artigo
1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90, que
estabelece de acordo com o artigo 14, § 9˚, da Constituição
Federal, casos de inelegibilidade, cuja alínea foi acrescida pelo
artigo 2˚ da Lei Complementar n˚ 135/2010.
Nestes
termos, mesmo em relação a um ato de improbidade administrativa
doloso, cuja condenação imposta pela Justiça Comum foi confirmada
por órgão colegiado ou transitou em julgado, faz-se necessário
para a incidência da inelegibilidade que a condenação por
improbidade tenha estabelecido expressamente a suspensão dos
direitos políticos dentre as sanções cominadas pelo artigo 12 da
Lei n˚ 8.429/92, sendo este o segundo requisito da causa de
inelegibilidade trazida pela alínea “l”, pois de acordo com o
princípio da proporcionalidade poderá advir em um processo judicial
a imposição isolada de outra penalidade que não a sanção de
suspensão dos direitos políticos, donde se dessume que nem todas as
sanções desta natureza importam na configuração da
inelegibilidade prevista no
artigo
1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90.
Nesta
esteira, não há necessidade de que, nos moldes da alínea “l”,
a condenação por ato de improbidade administrativa impositiva de
sanção de suspensão de direitos políticos tenha transitado em
julgado, pois o primeiro requisito objetivo da hipótese de
inelegibilidade é que a decisão na ação de improbidade tenha sido
prolatada de forma colegiada por maioria ou unanimidade, por exemplo
por uma das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado, ou
então que tenha ocorrido, de fato, o trânsito em julgado da decisão
monocrática ou colegiada, mormente porquê de acordo com o artigo 20
da Lei de Improbidade, o prazo de suspensão dos direitos políticos,
graduado nos moldes do artigo 12, I a III, se inicia apenas com o
trânsito em julgado da sentença condenatória.
Portanto,
imposta condenação de sanção de suspensão dos direitos políticos
em ação de improbidade por ato doloso de improbidade administrativa
por lesão ao Erário e/ou por enriquecimento ilícito prolatada ou
confirmada por órgão colegiado, ainda que não transitada em
julgado, exsurge, então, uma causa objetiva de inelegibilidade
trazida pela legislação infraconstitucional que regulamentou a
norma constitucional de eficácia limitada do § 9˚ do artigo 14, da
Constituição Federal. Mesmo porque o tempo da inelegibilidade da
letra “l” é incerto, pois compreende o período compreendido
entre a decisão colegiada condenatória ou seu trânsito em julgado
e o cumprimento das sanções impostas.
Assim,
em matéria de deferimento de registro de candidatura pela Justiça
Eleitoral deve sempre ser ponderado cum
grano salis a
alegação
de fato superveniente advinda de eventual suspensão liminar dos
efeitos de condenação por ato de improbidade administrativa
concedida pela Justiça Comum, ou seja, pelo Tribunal de
Admissibilidade a
quo
em sede de recursos excepcionais, a saber, em sede de Recurso
Especial ou de Recurso Extraordinário, pois o que exsurge da alínea
“l” do inciso I, do artigo 1˚ da Lei de Inelegibilidades é um
requisito objetivo de causação de inelegibilidade, a saber, a
sanção de suspensão dos direitos políticos em ação de
improbidade por ato doloso de improbidade administrativa por lesão
ao Erário e/ou por enriquecimento ilícito em
decisão judicial transitada em julgado, ou ainda prolatada ou
confirmada por órgão colegiado, ainda que não transitada em
julgado.
Já
quanto a análise do terceiro requisito da inelegibilidade prevista
na alínea “l”, é necessário, como já explicitado acima, a
presença do elemento subjetivo, a saber, o
animus,
consubstanciada na conduta comissiva ou omissiva, perpetrada de modo
consciente, deliberado e voluntário, de prática de improbidade
administrativa.
Quanto
ao quarto requisito para causa de inelegibilidade em comento, faz-se
necessário que o ato doloso de improbidade advenha de lesão ao
Erário Público ou de enriquecimento ilícito do agente ou mesmo de
terceiro beneficiado pelo ato de improbidade, como observa o
Procurador de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Marcos Ramayana
em sua conhecida obra “Direito Eleitoral”, citando precedente do
Tribunal Superior Eleitoral:
“...O
enriquecimento ilícito que se observa nem sempre é do próprio réu
e atual candidato, pois ele pode ter beneficiado terceiro com lesão
ao patrimônio público. Neste sentido precedente o TSE, Recurso
Ordinário 2136-89.2010.6.26.000, São Paulo, Rel. Min. Hamilton
Carvalhido, em 25/11/2010”2.
Todavia,
quanto a este quarto requisito da causa de inelegibilidade prevista
na letra “l”, como ressalva o jurista José Jairo Gomes,
Ex-Procurador Regional Eleitoral junto ao Tribunal Regional Eleitoral
do Estado de Minas Gerais, a hermenêutica que se deve fazer da
aludida alínea “l” do inciso I, do artigo 1˚ da Lei
Complementar nº 64/90, acrescida pela denominada Lei da Ficha Limpa
não é a propriamente literal em todo o seu preceito, mas sim uma
interpretação teleológica quanto a inexigibilidade de
cumulatividade entre os atos de improbidade que lesam o Erário e os
que importem em enriquecimento ilícito, devendo-se assim ser
perquirido o fim colimado pela Lei, que, in
casu,
é a efetivação da proteção da probidade administrativa aliada
como irmã siamesa do princípio da moralidade eleitoral.
Destarte,
à luz da qualificação e subdivisão dos atos de improbidade
administrativa contida na Lei de Improbidade, lembra o jurista Jairo
Gomes que a conjuntiva “e” no texto da alínea “l”, deve ser
entendida como disjuntiva “ou”, pois é possível prognosticar
lesão ao patrimônio público haurido de ato doloso de improbidade
administrativa sem que importe em enriquecimento ilícito do agente.
Assim,
assiste inteira razão ao ilustre jurista José Jairo Gomes quando
afirma que a conjunção aditiva “e” no texto da alínea “l”
deve ser compreendida como conjunção alternativa “ou”, haja
vista que pode haver lesão ao patrimônio público sem que haja
enriquecimento ilícito, muito embora, na maioria dos casos mesmo que
não expressamente reconhecido na decisão judicial, possa se
dessumir que a lesão ao erário tenha ocasionado o enriquecimento
ilícito do próprio agente, ora pretenso candidato, ou de terceiro
agraciado com o ato de improbidade do 1˚
réu.
No
entanto, nesta causa de inelegibilidade prevista na letra “l” não
se prognosticar-se-á sobre a possibilidade de superação
(derrotabilidade) da condenação por ato doloso de improbidade
administrativa em eventual instância excepcional, na qual frisa-se,
inexiste sequer reexame de matéria fática, mesmo que ao contrário
do que alude parte da dissente doutrina e jurisprudência, a Justiça
Eleitoral possa sim realizar juízo de valor sobre o ato de
improbidade.
Neste
sentido, a Corte do Colendo Tribunal Superior Eleitoral no julgado do
Recurso Ordinário n˚ 380-23, entendeu
possível a incidência da inelegibilidade em questão se a sentença
ou decisão confirmatória da ação que apurou a improbidade
administrativa reconheceu a presença de prejuízo ao erário e
enriquecimento ilícito, ainda que não o tenha constado
expressamente na parte dispositiva.
No
mesmo sentido, transcreve-se a ementa do acórdão do Colendo
Tribunal Superior Eleitoral no julgado do Recurso Ordinário n˚
1408-04.2014.6.19.0000 - RIO DE JANEIRO, cuja Relatora foi a Ministra
Maria Thereza de Assis Moura:
“ELEIÇÕES
2014. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. CAUSA DE
INELEGIBILIDADE. ARTIGO 1˚, I, ALÍNEA l, DA LEI COMPLEMENTAR N°
64/90. EMBORA AUSENTE O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NA PARTE DISPOSITIVA
DA DECISÃO CONDENATÓRIA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, INCIDE A
INELEGIBILIDADE SE Ê POSSÍVEL CONSTATAR QUE A JUSTIÇA COMUM
RECONHECEU SUA PRESENÇA. PRECEDENTE. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE
NEGA PROVIMENTO. 1. Segundo entendimento deste Tribunal Superior no
RO n° 380-23 (PSESS aos 12.9.2014 - "Caso Riva"), deve-se
indeferir o registro de candidatura se, a partir da análise das
condenações, for possível constatar que a Justiça Comum
reconheceu a presença cumulativa de prejuízo ao erário e
enriquecimento ilícito decorrentes de ato doloso de improbidade
administrativa, ainda que não conste expressamente na parte
dispositiva da decisão condenatória. 2. Recurso ordinário
desprovido”.
Para
compreensão exata da recente posição do Colendo Tribunal
Superior Eleitoral
haurida da hermenêutica teleológica do artigo 1º, inciso I, alínea
“l”, da Lei Complementar nº 64/90, que estabelece de acordo com
o artigo 14, § 9˚, da Constituição Federal, casos de
inelegibilidade, cuja alínea foi acrescida pelo artigo 2˚ da Lei
Complementar n˚ 135/2010, posição esta firmada nas últimas
eleições realizadas no país, não é demasiado o socorro do
escólio do Eminente Procurador de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, Marcos Ramayana, também extraída de sua conhecida obra
“Direito Eleitoral”:
“O
importante é o intérprete analisar no caso concreto se houve a
incidência de ambos os requisitos (lesão e enriquecimento), mas não
é necessário que a sentença ou acórdão no processo de ação
civil declare expressamente”.
“Se
o candidato, por exemplo, beneficiou uma empresa sem fazer a
licitação e causou danos ao erário público, em razão da prova
produzida nos autos da ação civil é possível perscrutar se
ocorreu o enriquecimento ilícito próprio ou de terceiro com
gravidade ou proporcionalidade apta a ensejar a causa de
inelegibilidade”.
“Sendo
celebrado um negócio jurídico (contrato) com a Administração
Pública e o terceiro de forma dolosa estava em conluio com o
candidato, os envolvidos tinham o objetivo de fraudar lei imperativa,
art. 166, VI, do Código Civil, causando a nulidade do ato e
respondendo por seu efeitos de projeção da inelegibilidade”3.
(O texto menciona o artigo 145 do Código Civil, quando faz alusão
ao inciso VI do artigo 166 do Estatuto Civil).
Insta
acentuar que jurista Marcos Ramayana não advoga em sua obra que o
quarto requisito, a saber, a necessidade de decisão condenatória de
improbidade que tenha reconhecido lesão ao patrimônio público e
enriquecimento ilícito considere que ambas as hipóteses de
improbidade sejam cumulativas, estando a primeira prevista no artigo
10 da Lei n˚ 8.429/92 e a segunda no artigo 9˚ da aludida Lei.
Destarte, o Professor de Direito Eleitoral, Dr. Marcos Ramayana, aduz
que a cumulatividade deste quarto requisito deve ser analisada
casuisticamente.
Em
prosseguimento, quanto ao último requisito para configuração da
causa de inelegibilidade prevista na letra “l”, prazo
de inelegibilidade não exaurido, urge salientar que o prazo de
inelegibilidade trazida pela aludida alínea é de 8 (oito) anos após
o cumprimento das sanções impostas, inclusive da sanção de
suspensão de direitos políticos imposta na ação de improbidade,
tendo sido reconhecida como constitucional a nova causa de
inelegibilidade trazida pela alínea “l” sobre fatos anteriores,
consoante entendimento do Pretório Excelso no julgamento das Ações
Declaratórias de Constitucionalidade nˢ 29 e 30 e Ação Direta de
Inconstitucionalidade n˚ 4.579/DF.
Por
fim, quanto à análise dos requisitos da causa de inelegibilidade
trazida pela alínea “l”, do artigo 1˚, inciso I, da Lei de
Inelegibilidades, cumpre lembrar que a
denominada Lei da Ficha-Limpa tem origem em um movimento popular
contra a corrupção eleitoral que deu efetividade ao significado de
democracia participativa, exigindo a obediência ao princípio da
moralidade eleitoral por parte daqueles que desejam exercer a
capacidade eleitoral passiva. Assim, faz-se mister que os debates e
discussões persistam, sejam jurídicos ou sociais, para que a
legislação avance nas garantias da moralidade administrativa, bem
como assim avance a jurisprudência com a superação de regras que
dificultem ou impossibilitem a efetividade dos princípios
constitucionais e legais, como alguns questionamentos restritivos
acerca da alínea “l” do inciso I, do artigo 1º, da Lei
Complementar n˚ 64/90, já que o juízo de valor do princípio da
moralidade eleitoral será sempre da Justiça Eleitoral.
III-
DOS REQUISITOS PARA FAZER INCIDIR A CAUSA DE INELEGIBILIDADE PREVISTA
NO ARTIGO 1˚, INCISO I, ALÍNEA “G”, DA LEI COMPLEMENTAR N˚
64/90:
Insta
acentuar que a hipótese de inelegibilidade cominada pela legislação
infraconstitucional eleitoral, especificamente pela Lei de
Inelegibilidade, a saber, pelo artigo 1˚, inciso I, alínea “g”
detém perfeita simetria com a alínea “l” do suso inciso, sendo
necessária a prova inequívoca do ato de improbidade administrativa
na modalidade dolosa, excluindo-se as hipóteses de negligência,
imperícia ou imprudência do agente na chefia do Poder ou no
exercício da atribuição de ordenação de despesa.
Assim,
exige-se uma simetria entre as citadas alíneas “g” e “l”,
devendo a causa de inelegibilidade desta primeira causa decorrer do
critério valorativo da própria Justiça Eleitoral que entenda o ato
de rejeição de contas do agente como subsumido à hipótese de
improbidade administrativa capitulada nos artigos 9˚ e 10˚ da Lei
n˚ 8.429/92, ou em uma ou outra dessas mesmas hipóteses, como
preleciona autorizada doutrina e jurisprudência, mormente a doutrina
do jurista José Jairo Gomes.
Neste
diapasão, a causa de inelegibilidade prevista no artigo 1˚, inciso
I, alínea “g”, da Lei de Inelegibilidade prevê o prazo de
inelegibilidade de 8 (oito) anos a contar da decisão proferida por
Corte de Contas que se subsuma simetricamente a alguns dos requisitos
da alínea “l” do suso inciso, equiparando-se então a sanção
dos direitos políticos decorrente das penalidades porventura
comináveis em ação de improbidade por atos desta natureza dolosos
previstos no artigo 12, incisos I e II, da Lei n˚ 8.429/92. Devendo
o Juízo Eleitoral de acordo com o princípio da proporcionalidade
ponderar ao fato que foi imputado ao agente pela Corte de Contas, sem
se generalizar o julgamento feito pelo Tribunal de Contas, mormente
porque apesar da capital importância das cortes de contas, os
julgamentos destas instâncias de responsabilização não substituem
a tutela jurisdicional eleitoral no exame da causa de
inelegibilidade.
Para
incidir ainda a causa de inelegibilidade prevista na letra “g”,
além de dever o Juízo Eleitoral valorar de acordo com o princípio
da razoabilidade e da proporcionalidade que a condenação de
rejeição de contas haurida da Corte de Contas venha também
configurar como ato doloso de improbidade administrativa que causou
enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário público, deverá
ainda reputar que as irregularidades reconhecidas pelo Tribunal de
Contas sejam tipificadas como insanáveis.
Desta
forma, apesar de apenas ao Poder Judiciário competir julgar os atos
de improbidade administrativa, é da Câmara Municipal, das
Assembléias Legislativas e do Congresso Nacional a prerrogativa de
exercer o controle externo e a tomada de contas dos agentes políticos
e agentes públicos, com o auxílio das Cortes de Contas. Assim, na
hermenêutica da letra “g” se revela despicienda a existência de
condenação judicial por ato doloso de improbidade administrativa,
devendo haver apenas a exigência de duas decisões sobre a rejeição
de contas do agente, a saber, uma, da própria Corte de Contas ou do
Poder Legislativo quando fiscaliza o Poder Executivo, e outra, do
Poder Judiciário Eleitoral (Justiça Especializada) no sentido de
que a rejeição de contas derivou então de ato doloso de
improbidade administrativa causadora de enriquecimento ilícito ou de
prejuízo ao erário público, devendo ser ainda reputada tais
irregularidades como insanáveis, pois as sanáveis não fazem
exsurgir a causa de inelegibilidade cominada pela alínea em estudo.
Tal
interpretação é consentânea inclusive com a redação originária
da Lei Complementar n˚ 64/90 que previa para os ordenadores de
despesas que tinham suas contas rejeitadas por irregularidades
insanáveis e por decisão irrecorrível a cominação da causa de
inelegibilidade nos cinco anos seguintes a decisão de rejeição.
Tendo sido a mens
legis
da alteração procedida pelo artigo 2˚ da Lei Complementar n˚
135/2010 incluir também os mandatários aos quais compete a
autorização dessas despesas, e não só os meros autorizados de
despesas.
Ademais,
de acordo com a novel Lei na hipótese de rejeição de contas por
irregularidades insanáveis que configure ato doloso de improbidade
administrativa causadora de enriquecimento ilícito, próprio ou de
terceiros, ou de prejuízo ao erário público, há ainda precedentes
de que o pedido de reconsideração perante a própria Corte de
Contas não afasta a causa de inelegibilidade.
Em
prosseguimento, apenas para citar caso similar ao presente que é
rebatido pela defesa quanto ao pagamento de verba indenizatória a
vereadores há precedentes do Colendo TSE que reputa tal ato como
qualificado como hipótese de irregularidade insanável. Assim, o
Plenário do referido Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade,
reafirmou sua jurisprudência, no sentido de que o pagamento indevido
a vereadores, a título de participação em sessões
extraordinárias, constitui irregularidade insanável, que atrai a
inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei
Complementar nº 64/90. Ressalta tais decisões que, a partir de
2006, com o advento da Emenda Constitucional nº 50, a Constituição
da República, no art. 57, § 7º, passou a proibir expressamente o
pagamento de parcelas indenizatórias pela participação de
parlamentares em sessão extraordinária.
Esclarece
ainda aquelas decisões da mais alta Corte Eleitoral que a
jurisprudência do respectivo Tribunal Superior veio a se sedimentar
no sentido de que a violação do art. 57, § 7º, da Constituição
da República constitui vício insanável e ato de improbidade
administrativa que importa em enriquecimento ilícito, conforme o
art. 9º da Lei nº 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa.
Nesse entendimento, destaca-se, portanto, o decisum,
por unanimidade, que não conheceu do agravo regimental. Agravo
Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 329-08/SP, rel. Min.
Laurita Vaz, em 13.11.2012.
IV
– NO MÉRITO PROPRIAMENTE DITO:
Com
razão o ilustre membro do Ministério Público Eleitoral, que
prudentemente deflagrou a primeira ação de impugnação de registro
de candidatura, judicializando a causa.
Não
devem, portanto, prosperar as alegações defensivas do Impugnado que
aduz não deter contra si qualquer restrição hodierna à sua
capacidade eleitoral passiva, como se demonstrará a seguir.
Assim,
o pagamento continuado de subsídios aos Vereadores de Armação dos
Búzios ordenado pelo 1˚
réu no exercício fiscal de 2010 em confronto com o que dispõe o
artigo
29, inciso VI, alínea “b”, da Constituição Federal (30% do
Subsídio do Deputado Estadual), bem como também acima do valor
fixado pela própria Resolução Legislativa Municipal n˚ 554, de
17.07.2008 consistiu sim em ato configurador de improbidade
administrativa por ofensa clara aos princípios da legalidade, da
impessoalidade e da moralidade administrativa, pois ofendido
matematicamente os parâmetros claros estabelecidos pelo texto
constitucional, havendo cristalina ofensa a imparcialidade quanto aos
interesses do próprio ordenador e conspurcação do dever ético do
administrador. Estando assim vulnerado, por conseguinte, o dever de
probidade do agente público ocupante de cargo eletivo ao qual o povo
depositou sua confiança.
Nesta
senda, violada uma clara regra constitucional que estabelece que os
subsídios dos vereadores de municípios com menos de 50.000
(cinquenta) mil habitantes corresponderão a 30% do subsídio dos
Deputados Estaduais resta indubitável a presença do elemento
volitivo do autor do fato para o descumprimento de tal regra, cuja
margem de apreciação hermenêutica é meramente literal. Assim,
dessume-se pelas circunstâncias objetiva do caso que tal
descumprimento não redundou de mero erro ou de ausência de cuidado
objetivo do ordenador de despesas, mas sim de um ato consciente e
voluntário perpetrado pelo agente no exercício de mandato eletivo
que foi dirigido de modo finalístico ao descumprimento da norma
contida nos artigos 29, inciso VI, alínea “b” e 39, § 4˚,
ambos da Constituição Federal, tratando-se, portanto, de ato de
improbidade administrativa
que causou o enriquecimento do próprio agente e de seus demais
colegas e que causou ainda prejuízo ao Erário Público Municipal.
Em
suma, do cotejo das circunstâncias objetivas indubitáveis de
descumprimento de regra constitucional cristalina do caso em tela
evidencia-se o elemento subjetivo do agente, a saber, o dolo do mesmo
no descumprimento da norma-regra constitucional, a saber, a vedação
de pagamento de subsídio a ocupante de cargo eletivo fora dos
parâmetros estabelecidos pelo próprio texto constitucional,
ofensivo ainda, in
casu,
da impessoalidade e por decorrência da própria moralidade
administrativa.
Assim,
descumpridos princípios reitores da Administração Pública fica
evidente não só a vulneração ao dever de probidade, quanto a
presença do elemento subjetivo do tipo, pois as hipóteses previstas
no artigo 11, caput e seus incisos, da Lei de Improbidade admitem
apenas a modalidade dolosa, pois se tratam de condutas que atentam
contra os deveres de honestidade e lealdade do agente público às
instituições públicas, in
casu,
o Município de Armação dos Búzios.
Todavia,
os atos dolosos do 1˚ réu que levaram a rejeição de suas contas
no processo de n˚ 261528-3/03
no âmbito do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro não
ofenderam apenas princípios setoriais da Administração Pública,
consistindo em ofensa aos deveres de honestidade, lealdade e
probidade para com esta municipalidade, mas também redundaram tais
atos em enriquecimento sem causa do mesmo agente e de demais agentes
políticos e em prejuízo ao Erário Público Municipal, donde se
dessume a paridade do caso em tela com a hipótese também prevista
na alínea “l”, do inciso I do artigo 1˚, da Lei de
Inelegibilidade.
Outrossim,
a condenação de rejeição de contas do 1˚ réu relativo ao
exercício de seu mandato eletivo de vereador do órgão legislativo
desta municipalidade no âmbito do Tribunal de Contas do Estado do
Rio de Janeiro, inclusive com imposição de multa, resultou na
inclusão de seu nome na lista de inelegíveis daquela Corte, donde
se dessume que o respectivo acórdão já está consubstanciado em
decisão irrecorrível daquele órgão, que então disponibilizou à
Justiça Eleitoral tal causa ensejadora de inelegibilidade do
pré-candidato nos moldes do artigo 11, § 5˚, da Lei n˚
9.504/1997, que disciplina as Eleições. Ademais, inexiste notícia
de qualquer suspensão ou anulação de tal decisum
pelo
Poder Judiciário.
Em
prosseguimento, tal irregularidades que redundaram na escorreita
rejeição das contas do pré-candidato pelo Tribunal de Contas do
Estado do Rio de Janeiro configuram, consoante precedentes do próprio
Colendo Tribunal Superior Eleitoral em irregularidades insanáveis,
pois se o mero pagamento de indevido a vereadores de participação
em sessões extraordinárias já consiste em inconsistências
insanáveis, o que se dirá, portanto, de pagamento de subsídios
fora dos parâmetros estabelecidos pelo próprio texto
constitucional.
Assim,
não assiste razão ao defendente no sentido de que a eventual
devolução de valores percebidos a maior pelos vereadores agraciados
com o pagamento de parcelas além dos parâmetros fixados para o
pagamento dos subsídios desses agentes políticos possa olvidar
então a caracterização de tais irregularidades reconhecias pela
Corte de Contas como inconsistências constitucionais e ilegais
insanáveis, mas, ao contrário, caracteriza-as como meras
irregularidades sanáveis.
Assim,
não é demasiado transcrever-se abaixo a ementa do citado precedente
do Colendo Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do Agravo
Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 329-08/SP, cuja a
relatoria foi da ínclita Ministra Laurita Vaz, procedido em
13.11.2012, in
verbis:
ELEIÇÕES
2012. ELEITORAL. PROCESSUAL CIVIL. QUESTÃO RELATIVA À SUPOSTA
EXISTÊNCIA DE LEI MUNICIPAL AUTORIZATIVA. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
PRETENSA AFRONTA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INEXISTENTE.
REGISTRO DE CANDIDATURA. REJEIÇÃO DE CONTAS. PAGAMENTO A VEREADORES
EM DESCOMPASSO COM O ART. 57, § 70, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.
IRREGULARIDADE INSANÁVEL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
Destacou
a Excelentíssima Senhora Relatora do julgamento daquele recurso,
Ministra Laurita Vaz em seu voto que, como se vê da leitura dos
termos da ementa daquele apelo, de fato, é possível afastar a
condição de insanável, desde que a Corte de Contas não repute o
ato como grave nem determine a devolução ao erário do valor
respectivo. Entretanto, o precedente citado pelo autor da ação não
guarda qualquer conexão fática com a hipótese sustentada na defesa
do pré-candidato de regularidade meramente sanável, pois o Tribunal
de Contas Estadual, além de reputar a conduta ora sob análise como
grave, condenou o responsável a ressarcir aos cofres públicos os
valores indevidamente pagos.
Contudo,
a estruturação da inelegibilidade haurida da letra “g” em
estudo é da competência da Justiça Eleitoral, como preleciona o
jurista José Jairo Gomes em sua obra “Direito Eleitoral”,
consoante assente posição da jurisprudência da mais alta Corte
Eleitoral, logo, é desta Justiça Especializada a competência para
apreciar a matéria atinente a configuração de ato de improbidade
decorrente de rejeição de contas de ordenador de despesas relativa
ao exercício de seu mandato eletivo e de qualificar, sobretudo,
todos os fatos que lhes são apresentados, tratando-se, assim, de
competência absoluta ratione
materiae.
Desta maneira, é ainda da Justiça Eleitoral, de modo inequívoco, a
competência para dizer se a irregularidade apontada é, ou não,
insanável, se configura, ou não, ato doloso de improbidade
administrativa e, por fim, se constitui, ou não, a hipótese de
inelegibilidade cominada pelo artigo 1˚, inciso I, alínea “g”,
da Lei Complementar n˚ 64/90, com a redação dada pela denominada
Lei da ‘Ficha Limpa’.
No
caso vertente, além da Corte de Contas por decisão agora
irrecorrível e não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, além
de ter reputado as irregularidades que levaram a rejeição das
contas do 1˚ réu como graves, determinando a devolução dos
valores pagos a maior, verificou-se ainda que nem todos os valores
pagos em desacordo com os artigos
29, inciso VI, alínea “b” e 39, § 4˚, ambos da Constituição
Federal foram devolvidos, como informou a própria defesa em sua
contestação, pois consoante a confissão do demandado os
Ex-Vereadores João de Melo Carrilho e Evandro Oliveira da Costa e o
Vereador Leandro Pereira dos Santos não devolveram as parcelas pagas
além dos parâmetros constitucionais e legais de seus subsídios nem
tão pouco parcelaram tais débitos, apesar de terem sido todos
instados para tanto pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de
Janeiro, donde se dessume que o prejuízo ao Erário Municipal não
foi integralmente ressarcido, não havendo de se conjecturar nem
juridicamente nem factualmente que a hipótese em tela se tratou de
irregularidade sanável.
Ad
cautelam,
não incide no caso vertente o entendimento que vem sedimentando de
que as contas rejeitadas pela Corte de Contas de integrantes do Poder
Executivo necessitam também do pronunciamento negativo do Poder
Legislativo sobre as contas do governante ou gestor, por competir a
tal Poder o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo,
atuando então o Tribunal de Contas apenas como órgão auxiliar. No
caso vertente as contas foram ordenadas por próprio integrante do
Poder Legislativo no exercício de função atípica deste Poder,
assim, a hipótese é de julgamento das contas exercido pelo próprio
Tribunal de Contas a teor do que dispõe o artigo 71, inciso II, da
Constituição Federal. Da regra de controle externo fixada pelo
dispositivo constitucional em apreço decorre que ao Tribunal de
Contas competirá julgar das contas dos Chefes dos outros Poderes, ou
seja, do Legislativo e do Judiciário.
Por
todos os elementos trazidos na ação impugnativa ministerial resta
mais do que claro que o 1˚
réu cometeu no exercício de seu mandato eletivo de Vereador da
Câmara Municipal de Armação dos Búzios no exercício fiscal de
2010, na qualidade de ordenador de despesas, atos dolosos de
improbidade administrativa que concorreram para o seu enriquecimento
indevido e para o enriquecimento ilícito dos demais Vereadores,
causando prejuízo ao Erário Municipal, o que levou a Corte de
Contas Estadual a rejeitar as contas do aludido agente político por
irregularidades reputadas como graves que feriram ainda os princípios
da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, além
do dever de probidade do agente político, tratando-se, portanto, de
irregularidades insanáveis.
Destaca-se,
por fim, que a mencionada decisão da Corte de Contas proferida em
09/06/2015,
no
processo n˚ 261528-3/03, tornou-se irrecorrível no âmbito daquele
órgão de controle, estando o nome do 1˚
réu no rol de inelegíveis do TCE, sem que sobre tal decisum
incida qualquer suspensão ou anulação haurida do Poder Judiciário,
o que faz incidir, então, a suspensão dos direitos políticos do
demandado pelo prazo de 8 (oito) anos contados a partir da data da
prolação do aludido acórdão que permitiram a esta Justiça
Especializada perscrutar a presença de todos os requisitos previstos
na causa de inelegibilidade prevista no artigo 1˚, inciso I, alínea
“g”, da Lei Complementar n˚ 64/90.
Isso posto, de
acordo com a fundamentação supra para proteção efetiva do
princípio da moralidade eleitoral e em virtude da suspensão dos
direitos políticos do demandado com previsão legal de
inelegibilidade cominada pela Lei Complementar nº 64/90, com
alterações trazidas pela Lei Complementar n˚ 135/2010, julgo
PROCEDENTE
A IMPUGNAÇÃO DO REGISTRO DA CANDIDATURA DE MESSIAS CARVALHO DA
SILVA para o cargo de Vereador,
declarando-o inelegível para as eleições municipais 2016, na chapa
proporcional da Coligação Partidária “BÚZIOS NÃO PODE PARAR”.
Publique-se nos
termos da lei. Registre-se. Intimem-se. Aguarde-se o prazo recursal.
MARCELO ALBERTO
CHAVES VILLAS
Juiz Eleitoral
1
DI
PIETRO,
Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24 ed. São Paulo:
Atlas, 2011. p. 825.
2
RAMAYANA,
Marcos. Direito Eleitoral - 15ª edição – Rio de Janeiro:
Impetrus, 2016, p. 504.