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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Carta da comunidade Guarani-Kaiowá


Carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil

Nós (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá originárias de tekoha Pyelito kue/Mbrakay, viemos através desta carta apresentar a nossa situação histórica e decisão definitiva diante de da ordem de despacho expressado pela Justiça Federal de Navirai-MS, conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, do dia 29 de setembro de 2012. Recebemos a informação de que nossa comunidade logo será atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça Federal, de Navirai-MS.

Assim, fica evidente para nós, que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver à margem do rio Hovy e próximo de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay. Entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de genocídio e extermínio histórico ao povo indígena, nativo e autóctone do Mato Grosso do Sul, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminado e as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça brasileira. A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós.  Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros do rio Hovy onde já ocorreram quatro mortes, sendo duas por meio de suicídio e duas em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas.

Moramos na margem do rio Hovy há mais de um ano e estamos sem nenhuma assistência, isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Passamos tudo isso para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs, avós, bisavôs e bisavós, ali estão os cemitérios de todos nossos antepassados.

Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui.

Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para  jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal. Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem mortos.

Sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo em ritmo acelerado. Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela Justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em sermos mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS.     

Atenciosamente, Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay

Fonte: ”blog articulação dos povos índigenas”


Guarani Kaiowá não são obrigados a deixar fazenda ocupada em Mato Grosso do Sul


Alex Rodrigues

Repórter da Agência Brasil

Brasília - Os 170 índios guaranis kaiowás que há quase um ano ocupam parte de uma fazenda da cidade de Iguatemi, a cerca de 460 quilômetros da capital sul-matogrossense, Campo Grande, e cuja situação ganhou destaque nacional nos últimos dias não terão que deixar a área. A medida vale pelo menos até que a real situação da propriedade seja esclarecida ou que laudos antropológicos descartem se tratar, como afirmam os índios, de terra tradicional indígena.

Segundo a Justiça de Mato Grosso do Sul, diferentemente do que os índios, as organizações indigenistas e o próprio Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso do Sul chegaram a anunciar, a decisão do juiz federal Sergio Henrique Bonachela, da 1ª Vara Federal em Naviraí (MS), constitui liminar de manutenção de posse e não de reintegração da área ocupada por 100 adultos e 70 crianças guaranis kaiowás desde novembro de 2011.

A Agência Brasil entrou em contato com a Justiça Federal em Mato Grosso do Sul hoje (26) de manhã e continua aguardando uma posição oficial sobre o assunto.

O detalhe jurídico que passou despercebido por muitos pode parecer trivial, mas, na prática, significa que o oficial de Justiça encarregado de fazer cumprir a sentença vai limitar-se a notificar os índios de que o terreno pertence, até prova em contrário, aos proprietários da Fazenda Cambará. O objetivo de uma liminar de manutenção é apenas preservar a posse de quem já vinha ocupando a área até que a situação seja esclarecida. Mesmo assim, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o MPF ajuizaram recursos contra a decisão no dia 16 de outubro e aguardam o julgamento.

De acordo com o promotor da República Marco Antonio Delfino, foram os próprios responsáveis pela fazenda que solicitaram a manutenção de posse. A decisão do juiz federal, favorável ao pedido, foi dada no último dia 17 de setembro. Como não há representação da Justiça Federal em Iguatemi, a incumbência de notificar o grupo indígena foi repassada à Justiça Estadual, por meio de carta precatória. Legalmente, o prazo para que o oficial de Justiça local notifique todo o grupo termina no próximo dia 8.

Segundo o diretor do cartório do Fórum de Iguatemi, Marco Antonio Arce, o oficial de Justiça só não começou a notificar antes os guaranis kaiowás devido à repercussão que o assunto ganhou nos últimos dias por causa da interpretação de uma carta que lideranças indígenas tornaram pública.

No texto endereçado ao governo e à Justiça brasileira, os líderes indígenas falam na possibilidade de morte coletiva ao referir-se aos possíveis efeitos da decisão da Justiça Federal. Dizem que, após anos de luta, o grupo já perdeu a esperança de sobreviver dignamente e sem violência na região onde, segundo eles, estão enterrados seus antepassados. Por fim, informam, em tom de ameaça, que decidiram integralmente não sair com vida e nem mortos e pedem que, se for determinado que eles saiam da área, governo e Justiça enviem "vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar" os corpos.

Embora a palavra suicídio não seja empregada nenhuma vez, a interpretação de que o grupo estaria ameaçando se matar em sinal de protesto gerou uma onda de comoção que ganhou as redes sociais e chegou a ser noticiada por veículos de imprensa internacionais.

De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), embora, na carta, o grupo não tenha falado em suicídio, mas sim em morte coletiva no contexto da luta pela terra, a medida extrema tem sido recorrente entre os índios. A organização ligada à Igreja Católica afirma que a situação de confinamento em áreas exíguas, a falta de perspectivas, a violência aguda e a impossibilidade de retornarem às terras tradicionais a que estão sujeitos os vários grupos indígenas que vivem no estado levaram ao menos 555 índios a, isoladamente, tirar a própria vida entre os anos 2000 e 2011. Especificamente em relação aos guaranis kaiowás, o Cimi lembra que, embora já haja 43 mil deles espalhados por Mato Grosso do Sul, apenas oito terras indígenas foram homologadas para o grupo desde 1991.

De acordo com o Ministério Público Federal, até três meses antes de ocupar 2 dos 762 hectares da Fazenda Cambará, os 170 índios viviam acampados às margens de uma estrada vicinal, na mesma cidade. Na noite de 23 de agosto, o acampamento foi supostamente atacado por pistoleiros que, segundo os índios, atearam fogo nas barracas e feriram várias pessoas. O MPF tratou o episódio como genocídio e pediu à Polícia Federal que apurasse as denúncias. Ainda segundo o MPF, a área ocupada faz parte de uma reserva de mata nativa, que não pode ser explorada economicamente e está sendo estudada por antropólogos da Funai que, em breve, devem divulgar suas conclusões.

Edição: Graça Adjuto

Fonte: "agencia-brasil.jusbrasil.com.br/noticias"