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quarta-feira, 21 de abril de 2021

Anulação de sentenças de Lula deve ser estendida aos corruptores confessos

 

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Numa evidência de que há males que vêm para pior, a decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou as sentenças da Lava Jato contra Lula deve ser estendida aos outros condenados nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Entre eles os corruptores confessos das empreiteiras Odebrecht, Emílio e Marcelo Odebrecht; e da OAS, Léo Pinheiro.

Criou-se uma situação sui generis. Ou refresco da anulação é servido a todos os condenados ou os processos se converterão em peças esquisitas, nas quais os corruptores que confessaram seus crimes seriam dissociados daquele que foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro na segunda e na terceira instância do Judiciário. No entendimento dos advogados, o que vale para Lula também precisa valer para os demais condenados.

O caso do sítio é muito parecido com o do tríplex, que rendeu a Lula uma passagem de um ano e sete meses pela cadeia. Com uma diferença: o apartamento do Guarujá Lula desistiu de comprar depois que virou escândalo. A propriedade de Atibaia virou escândalo porque Lula utilizou mesmo sem comprar.

Por 8 votos a 3, o Supremo decidiu, com cinco anos de atraso, que a 13ª Vara de Curitiba não tinha competência legal para julgar Lula. Isso não se confunde com uma sentença absolutória, pois a Corte não entrou no mérito da roubalheira. Apenas aceitou a alegação processual de que não há como assegurar que as reformas no tríplex e no sítio tenham sido bancadas exclusivamente com verbas roubadas da Petrobras, foco da Lava Jato.

Por essa razão, o julgamento dos processos terá de ser refeito em outra praça. A confusão é tamanha que o Supremo não conseguiu decidir na semana passada para onde deveriam ser enviadas as encrencas. Só nesta quinta-feira os ministros escolherão entre Brasília e São Paulo. Seja qual for a opção, os processos terão um destino conhecido: a prescrição.

Vai a julgamento no plenário do Supremo também o pedido de suspeição de Sergio Moro no caso do tríplex. A decisão já foi tomada na Segunda Turma por 3 votos a 2, mas o presidente da Corte, Luiz Fux, atendeu ao pedido do ministro Edson Fachin para que um novo julgamento seja feito no plenário.

Se for mantida a suspeição do ex-juiz da Lava Jato, serão anulados todos os atos do processo, não apenas a sentença. Significa dizer que o novo julgamento terá que partir do zero absoluto, sem o aproveitamento de provas. Nesse caso, a decisão vale apenas para esse processo e só se aplica a Lula. Os outros condenados precisariam guerrear pelo benefício.

Freguês de caderneta da Lava Jato Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara, se movimenta. Seus advogados já protocolaram no Supremo pedido de suspeição de Sergio Moro. Não deve parar por aí. No livro que lançou recentemente —"Tchau, Querida, o diário do impeachment"— Cunha escreve que Moro não tinha competência legal para julgá-lo. O Supremo Tribunal Federal passou a ser visto como uma espécie de Porta da Esperança dos malfeitores. Não demora e eles começarão a pedir indenização por danos morais.

Fonte: "JOSIAS DE SOUZA"


quarta-feira, 24 de março de 2021

Datafolha mostra que Lula virou um líder com enorme passado pela frente

 

Lula.  Imagem Edilson Dantas/ Agência O Globo



Lula tornou-se para o PT um personagem paradoxal. Continua sendo o único líder nacional do partido. Mas o contencioso criminal do pajé do PT transformou-o num político de futuro duvidoso.

De acordo com o Datafolha, a maioria dos brasileiros considera justa a condenação de Lula no caso do tríplex (57%). É majoritária também a percepção de que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, agiu mal ao anular todas as sentenças da Lava Jato contra o ex-preso petista (51%).

Lula voltou a fazer pose de inocente nas manchetes. No melhor estilo "nunca antes...", apresenta-se como vítima da "maior mentira jurídica contada em 500 anos de história." Demora a admitir que sua imagem mitológica, fruto de uma construção político-religiosa, já não existe.

A divindade petista consolidou-se como um típico político brasileiro —grosso modo falando. É um político tradicional, suspeito de tudo o que se costuma suspeitar nessa fauna. Não se preocupa em provar uma hipotética inocência. Sua defesa especializa-se em esgrimir falhas processuais capazes de empurrar veredictos com a barriga.

O PT não tem como se livrar do seu maior líder. A legenda perderia a própria alma. Mas teria sido inteligente construir lideranças alternativasLula não permitiu. O petismo não conseguiu evoluir da lulodependência para o pós-Lula. Em consequência, a legenda vem perdendo espaço na preferência do eleitorado.

Lula prevaleceu nas eleições presidenciais de 2002 e 2006 com 61% dos votos válidos. Em 2010, impôs Dilma como candidata. Ela foi enviada ao Planalto com 56% dos votos. Em 2014, já com a fábula da gerentona estilhaçada, Dilma foi reeleita raspando na trave, com 52%. Foi enviada mais cedo para casa.

Na sucessão de 2018, o morubixaba petista estava na cadeia. Negou-se a conceder ao PT um habeas-Lula. Impôs ao partido o nome de Fernando Haddad, que amealhou 44,8% dos votos válidos. O antipetismo impulsionou a vitória de Bolsonaro, com 55% dos votos.

Forte o bastante para empurrar o "poste" Haddad para o segundo turno de uma disputa presidencial, o lulismo revelou-se em 2018 menor do que o antipetismoO pedaço conservador da classe média que acreditara na Carta aos Brasileiros —aquele documento no qual Lula renegara em 2002 o receituário radical que o impedia de chegar ao Planalto— tomou ojeriza pelo PT.

Virou moda dizer que a Lava Jato criminalizou Lula e o PT. EnganoO que criminalizou o partido e seu líder foi o excesso de crimes. Presenteado por Fachin com a lavagem de sua ficha suja, Lula se equipa para disputar um terceiro mandato presidencial, dessa vez sem intermediários.

Oferece ao PT o projeto-divindade. Anuncia a intenção de percorrer o país, convidando o petismo a acompanhá-lo com suas preces. O partido adere à procissão. É movido por uma fé de inspiração cristã.

O ingrediente da dúvida não faz parte do credo do PT. A legenda se alimenta da certeza de que seu único líder é uma potência moralque não deve contas a ninguém. O problema é que nem os aliados tradicionais de esquerda dão de barato que Lula prevalecerá em 2022.

Resta a Lula um consolo. No governo, informa o Datafolha, a única novidade além do negacionismo científico é que Bolsonaro, um presidente com a imagem já bem rachadinha, é visto como um estelionato eleitoral. Para 67% dos brasileiros, haverá mais corrupção no governo do capitão daqui para a frente.

A julgar pelo andar das carruagens de Lula e Bolsonaro, a sucessão de 2022 vai se tornando uma avenida com duas contramãos. Numa contramão trafega o passado pós-1964, comandado por um personagem que virou estorvo à vacinação, fala em "estado de sítio" no meio da pandemia e se refere à caserna como "meu Exército".

Noutra contramão desliza a realidade pós-2003, dirigida por um líder que tem um enorme passado pela frente. Um personagem que, estalando de pureza moral, trata como absolvição decisão judicial que se escora na alegação de "incompetência do foro" para transferir processos de Curitiba para Brasília, oferecendo uma oportunidade à prescrição.

A pesquisa do Datafolha reforça a impressão de que há uma avenida escancarada para que o representante de uma terceira via percorra. O que não existe, por ora, é candidato capaz de personificar o desalento do eleitorado que está de saco cheio da polarização.

Josias de Souza

Observação: os grifos são meus.

Fonte: "JOSIAS DE SOUZA"


quarta-feira, 6 de maio de 2020

TRF4 mantém condenação do ex-presidente Lula na ação do Sítio de Atibaia

O ex-presidente Lula discursa durante evento em Recife, no dia 17 de novembro — Foto: Adriano Machado/Reuters



O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) negou hoje (6/5) provimento ao recurso de embargos de declaração interposto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por mais quatro réus condenados no processo referente ao Sítio de Atibaia (SP), no âmbito da Operação Lava Jato. Dessa forma, a 8ª Turma da corte, por unanimidade, manteve inalteradas as condenações que havia estabelecido no julgamento da apelação criminal dessa ação, realizado em novembro do ano passado.

No caso de Lula, permanece a condenação pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, com pena de 17 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão em regime inicial fechado e pagamento de 422 dias-multa (com valor unitário do dia-multa de dois salários mínimos). Devido à suspensão das atividades presenciais na sede do tribunal, em razão da pandemia do novo coronavírus, o julgamento ocorreu em sessão virtual, que se iniciou no dia 27/4 e se encerrou na tarde desta quarta-feira.

No recurso, a defesa do político alegou que ocorreram omissões, contradições e obscuridades na análise da apelação criminal e na sua condenação pelo TRF4. Foram apontadas pelos advogados diversas questões envolvendo preliminares, mérito e procedimentos na sessão de julgamento da apelação, além do cálculo da pena aplicada ao réu.
Para o relator das ações relacionadas à Operação Lava Jato na corte, desembargador federal João Pedro Gebran Neto, os questionamentos trazidos demonstram um inconformismo da defesa com os fundamentos do acórdão condenatório, buscando uma rediscussão do que já foi decidido, o que é inviável em sede de embargos de declaração.

O magistrado reforçou que a insurgência da parte contra os fundamentos invocados que levaram o órgão julgador a decidir ou a insatisfação com as conclusões do julgamento não abrem espaço para o manejo dos embargos, devendo ser buscada a modificação pretendida na via recursal apropriada.

Gebran ainda ressaltou que ficaram demonstrados no julgado da apelação a autoria do ex-presidente nos delitos de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, destacando-se a sua posição na engrenagem do esquema formado na Petrobras (corrupção), e o fato de ser o real destinatário das benfeitorias realizadas em sítio em nome de terceiro, ocultando a origem dos valores e dissimulando a sua titularidade (lavagem).

Histórico

Essa é a segunda condenação de Lula em ações criminais no âmbito da Lava Jato. O político também foi condenado no processo relativo ao triplex do Guarujá (SP).

De acordo com a sentença da 13ª Vara Federal de Curitiba, proferida em fevereiro de 2019, o ex-presidente teria participado do esquema criminoso deflagrado pela operação, inclusive tendo ciência de que os diretores da Petrobras utilizavam seus cargos para recebimento de vantagens indevidas em favor de partidos e de agentes políticos.

Como parte de acertos de propinas destinadas ao Partido dos Trabalhadores (PT) em contratos da estatal, os Grupos Odebrecht e OAS teriam pagado vantagem indevida à Lula na forma de custeio de reformas no Sítio de Atibaia utilizado por ele e por sua família.

De acordo com os autos, em seis contratos da petrolífera, três firmados com o Grupo Odebrecht e outros três com o OAS, teriam ocorrido acertos de corrupção que também beneficiaram o ex-presidente.

Parte dos valores acertados nos contratos teria sido destinada a agentes da Petrobras e parte a "caixas gerais de propinas" mantidas entre os grupos empresariais e membros do PT. Além disso, outra parte das propinas foi utilizada nas reformas do Sítio de Atibaia.

A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) foi recebida pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, e Lula foi considerado culpado pela prática dos delitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro e sentenciado a uma pena de 12 anos e 11 meses de reclusão, com pagamento de 212 dias-multa no valor de dois salários mínimos cada dia.

A defesa dele recorreu da decisão ao TRF4. No julgamento da apelação criminal, em novembro de 2019, a 8ª Turma, de forma unânime, manteve a condenação pelos mesmos crimes, apenas aumentando o tempo de pena para 17 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão em regime fechado, juntamente com o pagamento de 422 dias-multa.

Os advogados do ex-presidente recorreram do acórdão interpondo os embargos de declaração. Com a negativa de hoje por parte do órgão colegiado desse último recurso, a condenação está mantida conforme o determinado pelo julgamento da apelação criminal.

Outros réus

Além do ex-presidente Lula, outros quatro réus do processo também tiveram os embargos declaratórios julgados pela 8ª Turma, sendo que todos tiveram o provimento negado.
Veja abaixo a lista com os seus nomes e as penas que haviam sido impostas na apelação criminal e que foram mantidas após o julgamento de hoje:

Emílio Alves Odebrechtpresidente do Conselho de Administração do Grupo Odebrecht. Manteve relacionamento pessoal com Lula e teria participado diretamente da decisão dos pagamentos das reformas do Sítio de Atibaia, com ocultação de que o custeio seria da Odebrecht. A pena é de 3 anos e 3 meses de reclusão. Também foi condenado ao pagamento de multa no valor de 22 dias-multa (valor unitário do dia-multa de cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato criminoso). Vai cumprir a pena conforme os termos estabelecidos em seu acordo de colaboração premiada.

Fernando Bittar: empresário e um dos formais proprietários do Sítio de Atibaia. Participou das reformas, ocultando que o real beneficiário seria Lula e que o custeio provinha de José Carlos Costa Marques Bumlai, do Grupo Odebrecht e do OAS. A pena é de 6 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto. Também foi condenado ao pagamento de multa no valor de 20 dias-multa (valor unitário do dia-multa de um salário mínimo vigente ao tempo do último fato criminoso).

Carlos Armando Guedes Paschoal: diretor da Construtora Norberto Odebrecht em São Paulo. Estaria envolvido na reforma do Sítio de Atibaia com mecanismos de ocultação de que o beneficiário seria Lula e de que o custeio era da Odebrecht. A pena é de 2 anos de reclusão. Também foi condenado ao pagamento de multa no valor de seis dias-multa (valor unitário do dia-multa de 1/15 de salário mínimo vigente ao tempo do último fato criminoso). A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade. Vai cumprir a pena conforme os termos estabelecidos em seu acordo de colaboração premiada.

José Aldemário Pinheiro Filho, vulgo Léo Pinheiro: presidente do Grupo OAS. Foi o responsável pela decisão de pagamento de vantagem indevida a Lula na forma de custeio de reformas no Sítio de Atibaia. A pena é de 1 ano e 1 mês, em regime inicial semiaberto. Também foi condenado ao pagamento de multa no valor de 7 dias-multa (valor unitário do dia-multa de cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato criminoso).


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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Como a esquerda brasileira morreu

Vladimir Safatle. Foto: Wikipédia


Este é um artigo que gostaria de não ter escrito e não tenho prazer algum em fazer enunciações como a que dá corpo ao título. No entanto, talvez não haja nada mais adequado a falar a respeito da situação política brasileira atual, depois de um ano de Governo Jair Bolsonaro e a consolidação de seu apoio entre algo em torno um terço dos eleitores. Aqueles que acreditavam em alguma forma de colapso do Governo e de sua base precisam rever suas análises. 

O que vimos foi, na verdade, outro tipo de fenômeno, a saber, a inoperância completa do que um dia foi chamado de “a esquerda brasileira” enquanto força opositora. Não que se trate de afirmar que ela está diante do seu fim puro e simples. Melhor seria dizer que um longo ciclo que se confunde com sua própria história termina agora. O pior que pode acontecer nesses casos é “não tomar ciência de seu próprio fim” repetindo assim uma situação que lembra certo sonho descrito uma vez por Freud na qual um pai morto continua a agir como se estivesse vivo. A angústia do sonho vinha do fato do pai estar morto e nada querer saber disto. Se a esquerda brasileira não quiser ver sua morte definitiva como destino, seria importante se perguntar sobre qual é esse ciclo que termina, o que ele representou, quais seus limites.

Signos não faltaram para tal diagnóstico terminal. Contrariamente ao discurso de que o Governo Bolsonaro estaria paralisado, vimos ao contrário a aprovação de medidas até pouco tempo impensáveis, como a reforma previdenciária, isso sem nenhuma resistência digna deste nome. Ou seja, a maior derrota da história da classe trabalhadora brasileira foi feita sem que anotassem sequer o número da placa do carro responsável pelo atropelamento. Uma reforma da mesma natureza, mas menos brutal, está a tentar ser imposta na França. O resultado é uma sequência de greves e manifestações de vão já para o seu terceiro mês. Na verdade, o que vimos no Brasil foi o contrário, a saber, governos estaduais pretensamente de esquerda a aplicarem reformas estruturalmente semelhantes. Como se fosse o caso de dizer que, no final, governo e oposição comungam da mesma cartilha, sendo distinta apenas a forma e a intensidade de sua implementação. Fato que já havíamos visto com o segundo Governo Dilma e sua guinada neoliberal capitaneada por Joaquim Levy.

Isso é apenas um sintoma de que a esquerda brasileira não é mais capaz de impor outro horizonte econômico-político. Durante todo o ano de 2019, diante de um Governo cujas políticas visam a retomada, em chave autoritária, dos processos de concentração de renda, de acumulação primitiva e de extrativismo colonial, não foram poucos aqueles que esperaram da esquerda brasileira (todos os partidos e instituições inclusas) a expressão de outro tipo de política. A esquerda governa estados, municípios grandes e pequenos, mas de nenhum deles saiu um conjunto de políticas que fosse capaz de indicar a viabilidade de rupturas estruturais com o modelo neoliberal que nos é imposto agora. Houve época que a esquerda, mesmo governando apenas municípios, conseguia obrigar o país a discutir pautas sobre políticas sociais inovadoras, partilha de poder e modificação de processos produtivos. Não há sequer sobra disto agora.

Talvez seja o caso de insistir neste ponto porque, como dizia Maquiavel, o povo prefere um governo ruim a governo nenhum. Não são as qualidades do Governo Bolsonaro que dão a ele certa adesão popular. É o vazio, é o fato de não haver nenhuma outra alternativa realmente crível neste momento. E a razão disso é simples: a esquerda brasileira morreu, ela tocou seu limite e demonstrou não ser capaz de ultrapassá-lo. Isso vale tanto para partidos, sindicatos quanto para a classe intelectual (na qual me incluo). Nossas ações até agora não se demonstraram à altura dos desafios efetivos. O melhor a fazer seria começar a se perguntar pela razão de tal situação.

Coloquemos uma hipótese de trabalho: a esquerda brasileira conhece apenas um horizonte de atuação, este que atualmente chamaríamos de “populismo de esquerda”. Foi ele que se esgotou sem que a esquerda nacional tenha se demonstrado capaz de passar para outra fase ou mesmo de imaginar o que poderia ser “outra fase”. Entende-se por populismo de esquerda um modelo de construção de hegemonia baseado na emergência política do povo contra as oligarquias tradicionais detentoras do poder. Este povo é, na verdade, produzido através da convergência de múltiplas demandas sociais distintas e normalmente reprimidas. Demandas contra a espoliação de setores sociais, contra a opressão racial, contra os legados do colonialismo: todas elas devem convergir em uma figura que seja capaz de representar e vocalizar esta emergência de um novo sujeito político.

No entanto, o caráter nacionalista do populismo permite também a inclusão de setores descontentes da oligarquia, grupos da burguesia nacional dispostos a ter um papel “mais ativo” nas dinâmicas de globalização. Assim, o “povo”, neste caso, nasce como uma monstruosa entidade meio burguesia, meio proletariado. Uma mistura de JBS Friboi com MST.

Este é o modelo que a esquerda nacional tentou implementar em sua primeira tentativa de governar o Brasil: a que termina com o golpe militar contra o Governo João Goulart. Na ocasião, um dos personagens mais lúcidos de então, Carlos Marighella, faz um diagnóstico preciso: a esquerda havia apostado na conciliação com setores da burguesia nacional e com setores “nacionalistas” das forças armadas dentro de governos populistas de esquerda. Ela colocou toda sua capacidade de mobilização a reboque de uma política que parecia impor mudanças seguras e graduais. Ao final, tudo o que ela conseguiu foi estar despreparada para o golpe, sem capacidade alguma de reação efetiva diante dos retrocessos que se seguiriam.

A lição de Marighella não foi ouvida. Tanto que a esquerda brasileira fará o mesmo erro com o final da ditadura militar e com o advento da Nova República. A história será simplesmente a mesma: o movimento em direção a um jogo de alianças entre demandas sociais e interesses de oligarquias locais descontentes tendo em vista mudanças “graduais e seguras” que serão varridas do mapa na primeira reação bem articulada da direita nacional.

Nesse sentido, nossa história segue os passos da história argentina: outro campo de ensaio do populismo de esquerda. Mas há um diferença substancial aqui. Depois da experiência ditatorial, a Argentina soube criar um linha de contenção de impulsos golpistas. Hoje, quase mil pessoas ainda se encontram nas cadeias argentinas por crimes da ditadura. No Brasil, ninguém foi preso. A resposta argentina produziu uma linha de contenção, inexistente entre nós, que permitiu ao peronismo ter ressurreições periódicas. Dificilmente, essa será a história brasileira daqui para frente, pois o risco de deriva militar é real entre nós.

Mas há ainda um outro fator decisivo. O colapso do lulismo não foi seguido apenas de um golpe parlamentar apoiado em práticas criminosas de setores do poder judiciário. Ele foi seguido da criação de uma espécie de antídoto à reemergência do corpo político populista. O que vimos, e agora isto está cada vez mais claro, foi a emergência de um corpo fascista. Mas o corpo político fascista é normalmente a versão terrorista e invertida de um corpo político anterior, marcado pela emergência do povo e pelas promessas de transformação social. Dessa forma, ele acaba por bloquear sua ressurgência. Já se disse que todo fascismo nasce de uma revolução abortada. Nada mais justo.

Theodor Adorno um dia descreveu o líder fascista como uma mistura de King Kong e barbeiro de subúrbio (certamente pensando no Chaplin de O grande ditador). Essa articulação entre contrários é fundamental. A pretensa onipotência do líder fascista deve andar juntamente com sua fragilidade. O líder fascista deve ser “alguém como nós”, com a mesma falta de cerimônia, a mesma simplicidade e irritação que nós. A identificação é feita com as fraquezas, não com os ideais. Ele deve ser alguém que come miojo em banquetes presidenciais, que se veste de maneira desajeitada como alguém do povo. Ele deve a todo momento dizer que está a combater as elites que sempre governaram esse país (que agora serão os artistas, as universidades, os “cosmopolitas” e “globalistas”). Ele deve mostrar que não é alguém da elite política, que na verdade tal elite o detesta. Pois se trata de criar um antídoto para toda forma de tentativa de recuperar a produção do povo como processo de emergência de dinâmicas de transformação social.

Dessa forma, tudo se passa como se Bolsonaro fosse uma versão militarizada de seu oposto, a saber, Lula. Não se trata com isso de afirmar que estamos presos em uma polaridade. Ao contrário, trata-se de dizer que tudo foi feito para anular a polaridade real, criando um duplo imaginário. Nunca entenderemos nada das regressões fascistas se não compreendermos estas lógicas dos duplos políticos. Se há algo que nos falta é exatamente polaridade. Temos pouca polaridade e muita duplicidade.

O fato é que tal dinâmica demonstrou-se eficaz. Ela quebrou os processos de incorporações populistas que foram, até agora, a alma da esquerda brasileira. Por isso, o que vemos agora é uma esquerda sem capacidade de ação, pois atordoada com o fato de a direita brasileira ter, enfim, produzido a sua figura com capacidade de incorporação do povo, agora sem o erro de apostar em um egresso da elite político-econômica (Collor) ou em alguém sem vínculos orgânicos com o militarismo fascista (Jânio).

Numa situação como essa, a esquerda nacional ainda paga o preço de ter sido formada para a coalizão e para a negociação. Esse é seu DNA, desde a política de alinhamento do PCB aos ditames anti-revolucionários do Soviete Supremo. Por isso, ela não sabe o que fazer quando precisa mudar o jogo e caminhar para o extremo. Sua inteligência não age nesse sentido, suas estruturas não agem nesse sentido, sua classe política não age nesse sentido. Seus movimentos de revolta perdem-se no ar por não ter nenhuma sustentação ou coordenação de médio e longo prazo. Foi assim que ela morreu. Se ela quiser voltar a viver, toda essa história tem que chegar a um fim. Ela deverá tomar ciência de seu fim. 

Vladimir Safatle, filósofo e professor na USP, em artigo publicado por El País, 10-02-2020.

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Comentários no Facebook: 

  • Joel Búzios V O C Ê E S T Á D O I D O.
    A É S Q U E R D A M A I S F O R T E QUE N U N C A.
  • Joel Búzios Quando a bandidagem do congresso contabilizar que; ganhará mais com Impeachement do que participar deste devaneio de um louco....
  • Luiz Carlos Gomes Joel, o texto não é meu. Publiquei para provocar a discussão. Mas, no geral, com pouquíssimas discordâncias, concordo com o autor.
    2
  • Joel Búzios R E T I R A É S S A P O S T A G E M. . . S O U D A R E S I S T E N C I A . . . . E S S A B A N D I D A G E M N Ã O Q U E R O N O M E U P A I S....
  • Joel Búzios Lutamos por eleições diretas, ao custo de; muito sangue, mortes e torturas...
    S Ó I D I O T A S N Ã O L E M B R A M..
  • Luiz Carlos Gomes Prezado leitor do blog Joel Búzios, também lutei pelas diretas, mas acho que você não leu o texto do Vladimir. Assim como eu, ele continua de esquerda, mas reivindica que a esquerda aprenda com seus erros. O populismo da esquerda lulo-petista se esgotou. Não tem mais volta. Foi essa esquerda que morreu. Não dá mais pra botar no mesmo balaio Joesley e MST, Renan-Sarney-Jucá e trabalhadores. A esquerda precisa aprender com seus erros, criar uma alternativa ao programa da direita. (Por sinal foram esses erros gravíssimos que elegeu Bolsonaro. A teoria da conspiração não emplacou). Não dá pra dizer que é contra a reforma da previdência a nível federal e aprovar em governo petista estadual a mesma reforma anti-povo. Ver o caso da Bahia. Isso significa que a esquerda não tem um programa alternativo. É preciso que a esquerda tire as travas dos olhos, humildemente reconheça seus erros (ou será que o tesoureiro Vaccari também é um perseguido político?), e persevere na elaboração de um programa alternativo. Dá muito trabalho. Não entendi o pedido para retirar a postagem? O que esse pedido significa? Censura? Desde já te adianto que não retiro, mesmo que a vaca tussa! Pela agressividade de seus comentários posso concluir que esta não é uma característica apenas da direita. Civilidade é bom e a gente gosta! Obrigado por visitar o blog. Grande abraço.