quarta-feira, 5 de março de 2014

O princípio e o início do fim

"A Câmara Municipal no uso de suas atribuições legais autoriza a participação do 

município na constituição do Consórcio Intermunicipal para gestão ambiental das 

bacias da Região dos Lagos, do rio São João e da Zona Costeira".

Simples assim e 12 (doze) municípios da Região dos Lagos abriram mão de 

prerrogativas constitucionais exclusivas, em favor do Consórcio Intermunicipal 

Lagos São João. Entre elas, a gestão do saneamento básico. Esse é o princípio da 

saga da Região dos Lagos a partir de dezembro de 1999.




Seguiu-se o que talvez seja o mais incompreensível momento dessa saga: Luiz 

Firmino Martins Pereira, então secretário-executivo do CILSJ, anunciou que o 

sistema 

de coleta de esgoto, denominado "sistema de coleta em tempo seco", seria adotado 

pelas concessionárias Prolagos e Águas de Juturnaíba.




Não demorou para que as consequências se manifestassem.







Em Cabo Frio a situação tornou-se dramática. Três valões que funcionavam como 

fossas abertas, totalizando mais de seis quilômetros de comprimento e com seis a 

dez metros de largura e dois a três metros de profundidade, foram canalizados. Foi

 estimado que nessa longa fossa 70 a 80% do esgoto eram absorvidos pelo solo. A

 alternativa adotada na engenharia convencional foi ignorada. Nessa engenharia a 

canalização é feita construindo duas paredes laterais, tampa e fundo aberto, para 

permitir que o valão continue a funcionar como fossa. Com a canalização, 70% do 

esgoto passaram a ser direcionados para a ETE na praia do Siqueira e o restante 

despejado, sem tratamento, nas lagunas Maracanã e Cabo Frio.








Numa tentativa desesperada de impedir ou reverter a degradação continuada deu-se 

início a uma das mais ridículas operações: a dragagem do canal Itajuru e da parte

 submersa do canal Palmer com o propósito de renovar a água da lagoa de Araruama.

 O CILSJ anunciou, formalmente, que isso ocorreria no prazo de 84 dias. Ignoraram-

se 

relatórios, que datam da década de 1940, do Departamento de Hidrografia e 

Navegação da Marinha brasileira, e de vários relatórios técnicos publicados entre 

1955 e 2000, que apontam que o prisma da maré não ultrapassa o canal Itajuru e que 



maré propriamente dita não ultrapassa o Boqueirão, passagem entre a laguna 

Marcanã e a lagoa de Araruama.





O tempo passou e em 2005 a laguna Marcanã já estava em condição irreversível para 

uma recuperação. Uma nuvem de esgoto oscilava de um extremo a outro dentro da 

lagoa de Araruama. Em Búzios, com uma população de cerca de 20 mil, já se 

começava a notar os efeitos dos despejos de esgoto sem tratamento em canais e na 

lagoa de Geribá. Mas, a situação ainda não era tão dramática quanto a que se 

experimentou em Cabo Frio. 

Em março de 2010 uma enorme quantidade de esgoto acumulado na tubulação 

enterrada sob a Avenida Excelsior se desprendeu e inundou a praia das Palmeiras. 

Na praia do Siqueira, onde é despejado o efluente da ETE, a cena era desoladora.

 Desde então a laguna não se recuperou, tendo ocorrido ocasionais despejos de 

esgoto sem tratamento, que flutuam diretamente em frente ao Shopping Parklagos e

 se deslocam com a maré e com o vento na direção oposta, rumo ao canal Palmer.




A dramática situação no canal Itajuru foi captada em 15/10/2009. Esgoto continua a 

ser lançado no canal, sem tratamento, em vários pontos.







O início do fim dessa saga da Região dos Lagos manifestou-se em dezembro de 

2013,

em Búzios. Em novembro, porém, o passageiro Jesus Alcinir do navio MSC 

Orchestra

registrou o momento em que esgoto acumulado no fundo da enseada em Búzios

 aflorou quando as hélices do navio foram acionadas. Esse registro demonstra, sem 

dúvida, de que o ambiente no entorno da península está irreversivelmente degradado.





Mas, esse registro era previsível para qualquer observador, 25 quilômetros ao norte 

de Búzios, em Rio das Ostras, um emissário submarino despeja no oceano o esgoto 

da cidade, e esse esgoto é levado pela correnteza para o sul. A península de Búzios 

está no seu curso e a consequência é previsível, como confirma a foto de Jesus

 Alcinir. Relatou que o odor era forte e identificou o material como sendo esgoto in 

natura.



Em 10/12/2013 várias fotos e um vídeo foram feitas na foz do rio Una, quatro 

quilômetros ao norte do início da praia da Rasa, Búzios, e seus autores afirmaram

 que 

fotografaram ou filmaram um grande derramamento de esgoto. No dia 12/12/2013 

técnicos do INEA recolheram amostras da água do rio e em 26/12/2013. Um relatório 

do 

instituto, tacitamente, afirma que não foi detectada a presença de esgoto, mas de 

vinhoto. Ocorre que no dia 10/12/2013 e nos dois dias anteriores, não choveu na 

região, o que justificaria a afirmação do instituto de que vinhoto e outros produtos 

químicos foram levados do solo para o rio.

Um milagre ocorreu no rio Una, entre janeiro e dezembro de 2013. Há registro de que

 em janeiro a ETE no Jardim Esperança, Cabo Frio, lançou no rio 160l/s (quase 14 

milhões de litros por dia) de esgoto contendo 2.300 coliformes fecais por 100 ml. Em 

fevereiro, com 23.000 coliformes fecais por 100 ml. Em 25/05/2013 em e-mail enviado 

para Luiz Firmino Martins Pereira, subsecretário da SEA, Mário Flávio Moreira, 

secretário-executivo do CILSJ, admite que a ETE estava lançando os quase 14 

milhões de litros de esgoto por dia contendo 4.000 coliformes fecais por 100 ml. Sete 

meses depois, milagrosamente, o INEA não detectou sequer traços dos coliformes 

fecais dessa enorme quantidade de esgoto.


 Foto de Zilma Cabral / Jornal Folha de Búzios 


Finalmente, em 22/02/2013 o secretário da SEA, Índio da Costa, fotografou o navio 

Splendor of the Seas, da empresa Royal Caribbean, supostamente despejando 

esgoto na enseada onde estava ancorado em Búzios. A empresa negou que tivesse 

feito isso, esclarecendo que a mancha resultou do afloramento de material 

depositado no fundo da enseada. Esse material é o mesmo fotografado por Jesus 

Alcinir três meses antes.



É válido inferir que o fundo da enseada, em Búzios, onde ancoram navios de 

passeio, 

em visita ao balneário, está coberto e infiltrado de esgoto sem tratamento.






Está-se diante de uma situação dramática. Tudo indica que estamos presenciando o 

início do fim, a destruição irreversível da lagoa de Araruama, das lagunas, rios, 

riachos e praias na Região dos Lagos.


Ernesto Lindgren


Fonte: http://www.revistacidade.com.br/colunas/ponto-de-vista/4601-o-principio-e-o-inicio-do-fim


Meu  comentário:

Dedico este excelente trabalho de mestre Ernesto Lindgren aos Prefeitos e Secretários Municipais de Meio Ambiente que a Cidade de Búzios já teve. Também o dedico aos vereadores que aprovaram a Lei Autorizativa 153, de 23/06/1999. Valmir da Rasa? Miúda? Marreco? Isaías? Nego do Torrely? Henrique DJ? Marquinho da Farmácia? Zé Carlos? Jajaia?

Comentários no Facebook:


Um bom trabalho de pesquisa para leigo entender,, parabéns por o exclarecimento



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